terça-feira, 29 de julho de 2014

Brasil leiteiro de Sul a Norte - Rio de Janeiro e Espírito Santo


Conforme anunciamos, vamos trabalhar neste artigo os estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo, juntos, fechando assim a região Sudeste.

Iniciei minha vida profissional em Barra Mansa, região Sul fluminense do Rio de Janeiro, onde residi por um ano. Lá, na época,estava estabelecida uma importante planta de produção de refrigerados, que mais tarde foi desativada, se transformando em fábrica de produtos UHT. No Espírito Santo, atuei na região de Nova Venécia, ao Norte, onde funcionava uma planta apta para a produção de leite em pó industrial, mas que operava, principalmente, como uma pré-condensadora.

Os dois estados produziram juntos próximo de um bilhão de litros de leite em 2012, segundo dados do IBGE. O Rio de Janeiro (RJ) com 538,8 milhões e o Espírito Santo (ES) com 456,4 milhões, ocupam respectivamente o 12° e o 15° lugares no ranking nacional de produção. De 2008 a 2012, o RJ cresceu 13% e o ES apenas 9%, enquanto o país, 17% no mesmo período.

Ambos os estados tem uma topografia muito acidentada, o que limita consideravelmente o uso da mecanização e a produção de forragens. Com solos tombados, o processo de erosão é intenso e as práticas de conservação são difíceis, mas imprescindíveis, elevando os custos de produção. Na Embrapa Gado de Leite o plantio de brachiaria em faixa é um exemplo de tecnologia para a formação de pastos nos morros sem tanta erosão.

O preparo do solo e o transporte muitas vezes têm que ser realizados através do uso da tração animal. A cangalha e a junta de boi puxando arado podem ser vistos nestas regiões com alguma frequência.

Os produtores, em geral, têm uma produção pequena, com menos de 100 litros diários na média, nos dois estados. Com base no Censo do IBGE de 2006, são 15.000 produtores no RJ e 17.800 no ES. Cruzando estes números com os volumes produzidos, cada produtor fluminense produz em média 98 litros e o capixaba, 70 litros por dia.

No ES o leite está mais concentrado nas regiões Noroeste e Sul do estado e no RJ, nas regiões Noroeste e Sul Fluminense. Os municípios de Nova Venécia, Colatina, Cachoeira do Itapemirim e Presidente Kennedy, no ES, e, Itaperuna e Valença, no RJ, se destacam como grandes produtores.

O mapa abaixo, preparado com base nos dados do IBGE de 2012, ilustra como a produção do estado do Rio de Janeiro está distribuída nas mesorregiões.

Fonte: IBGE - Pesquisa Pecuária Municipal, 2012

Em seguida, o mapa com a produção de leite nas mesorregiões do Espírito Santo.

Fonte: IBGE - Pesquisa Pecuária Municipal, 2012

No ES, a disponibilidade per capta de leite é de 130,4 litros, enquanto no RJ, ela é de apenas 33,7. Ou seja, o RJ tem uma produção muito aquém da necessária para abastecer sua população de 16 milhões de habitantes. Assim, podemos considerar que produzir leite nestas regiões, especialmente no RJ, dá ao produtor boas oportunidades de comercialização, proporcionando preços mais atrativos.

O parque fabril instalado no RJ é extremamente ocioso. Com o objetivo de estimular a produção interna, o governo estadual criou o Rio Leite. O programa consiste em promover a industrialização de leite através de incentivos fiscais. Por meio de um decreto, o estado zerou o ICMS para indústrias e cooperativas. Isso proporciona uma vantagem competitiva, sendo que na maioria das demais unidades da Federação, a cadeia do leite é onerada em 12% por este tributo. Ou seja, para uma indústria do RJ processar leite de outro estado, ela paga 12% a mais por este produto.

Esta medida associada à importância que o mercado do RJ representa para o setor, têm estimulado muitas empresas a se estabelecerem no estado. A indústria de leite e derivados Marília, por exemplo, construiu uma nova fábrica em Itaperuna, no Noroeste do estado. A Caprilat, de Friburgo, adquiriu a fábrica da Canaã Leite, em Macacu, na região Serrana, para beneficiar leite bovino. A LBR opera em Barra Mansa com uma fábrica de leite UHT, adquirida da Nestlé, pela Bom Gosto. Em Três Rios, a Nestlé também inaugurou recentemente uma unidade fabril. Em Itaperuna, a Quatá adquiriu a fábrica e a marca Glória, que estava sendo operada pela LBR. E a Vigor, assumiu a planta da BRF, que já estava em fase final de montagem, em Barra do Piraí. Nenhuma delas dispõe de matéria-prima suficiente para abastecer as suas operações. Todas dependem de leite trazido de outros estados, principalmente de Minas Gerais.

O Rio Leite, também promove ações de transferência e difusão de tecnologia através da realização de encontros técnicos, com palestras para os produtores em todo o estado.

No ES, a operação do parque fabril, que também tem ociosidade, já é mais equilibrada com a produção.

O rebanho predominante na região dos dois estados é de mestiços girolando. Ainda prevalece o uso de touros reprodutores havendo muito espaço para ganhos genéticos com a implementação de práticas, como a inseminação artificial e a seleção dos animais. Entendemos que tanto o RJ como o ES representam um importante mercado para se introduzir fêmeas leiteiras com boa genética, provenientes de outros estados.

A Secretaria de Estado de Agricultura e Pecuária do Rio de Janeiro (SEAPEC) criou o Programa Rio Genética, visando aumentar e melhorar a produção de leite no estado, através do melhoramento genético dos rebanhos. O principal objetivo é aproveitar o potencial expoente do mercado leiteiro do RJ, incentivando, principalmente, os pequenos produtores. Além de proporcionar o acesso à Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), o programa oferece financiamento em condições especiais para que os produtores possam adquirir animais de alto padrão de outros estados. Em parceria com a Embrapa Gado de Leite, que cede tanto a estrutura do laboratório, em Valença, quanto o material genético de alto padrão, a Empresa de Pesquisa Agropecuária do RJ (Pesagro-RJ), está desenvolvendo a parte do programa voltada para produção de embriões, que são repassados aos produtores participantes dessa ação. A execução do trabalho é feita pela EMATER-RIO.

O pasto no período das chuvas, que é bem distribuída, é o principal alimento volumoso. O uso mais intensivo do solo, através da adubação e rotação das pastagens, precisa ser praticado, tendo em vista a restrição de áreas planas para se manejar as vacas de leite. O dispêndio de energia de um animal para pastar em áreas extensivas e com topografia muito ondulada, como na maior parte destes estados, é muito elevado, reduzindo a sua eficiência na produção.

No período seco do ano, que varia de maio a setembro, a produção é ainda mais reduzida. A suplementação volumosa nesta época é insuficiente. Os alimentos mais utilizados são o capim elefante ou a cana picada, sendo esta corrigida com uréia, sulfato de amônia e minerais. A silagem é utilizada, mas em menor quantidade, quando comparado a outros estados, como no Sul do país. As áreas planas para a produção mecanizada de milho ou sorgo restringem a produção deste volumoso.

O uso de concentrado é comum, principalmente no período seco. Esta prática, como em todo o país, representa uma grande oportunidade de adequação e a consequente redução de custos, já que este é um dos componentes mais caros da produção de leite.

A qualidade do leite nos dois estados precisa ainda de ser muito trabalhada. Os resultados de Contagem de Células Somáticas (CCS), nos produtores da região Sul fluminense, segundo as análises realizadas pelas indústrias nos laboratórios da Rede Brasileira de Laboratórios de Controle da Qualidade do Leite (RBQL), são ainda muito elevados.

Um destaque para esses dois estados é o processo de implantação da coleta a granel, que embora tenha sido implementado posteriormente a outras unidades da Federação, como o Paraná, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, apresentou grandes avanços recentemente, reduzindo sensivelmente o uso de latões para o transporte de leite quente.

Em todo o país a produção de leite é ainda pouco tecnificada. Há carência de técnicos e competências para assistir o produtor. Todos os diagnósticos realizados apontam esta deficiência. No ES e no RJ não é diferente. Mas há que se destacar nestes dois estados um empenho da EMATER para suprir esta necessidade. Esta é uma evidência, principalmente no RJ, que tem trabalhado muito em parceria com o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Leite (CNPGL) da Embrapa, no treinamento de seus técnicos e na transferência de tecnologias.

A Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Estado do Rio de Janeiro (FAERJ), através do SENAR, tem desempenhado um importante papel para o desenvolvimento dos produtores de leite no estado. Com o apoio do SEBRAE-RJ, o Programa Balde Cheio iniciou seu trabalho no Rio de Janeiro em 2003, sendo muito bem sucedido. A proposta, que se iniciou modesta, com apenas seis técnicos, já conta hoje, com mais de 50 extensionistas, atendendo mais de 200 propriedades. Em Valença, por exemplo, uma propriedade muito pequena, de apenas 0,5 ha, assistida por técnicos deste programa, atingiu resultados espetaculares em produtividade/área.

As parcerias também têm sido importantes para a cadeia do leite nos estados do ES e RJ. A LBR, por exemplo, firmou em 2012 com o Sistema FAERJ, um convênio que permitiu qualificar cerca de 200 produtores de leite do Estado, através de treinamentos ministrados por técnicos da FAERJ e do SENAR Rio.

A experiência cooperativista nestes dois estados não tem sido bem sucedida. No RJ, em especial, existiram muitas delas. A Cooperativa Central de Produtores de Leite – CCPL, uma grande Central, com sede na cidade do Rio, não teve um final feliz. Na região Sul fluminense, foram tantas as pequenas cooperativas que descontinuaram suas atividades. Podemos citar Santa Isabel do Rio Preto, Conservatória, Rio Claro, Rio Preto, Rio das Flores, Barra do Piraí, Volta Redonda, dentre outras. A frustração destas organizações, que entendemos serem importantes para toda a cadeia produtiva do leite, não está no conceito, mas sim na sua forma de condução. As diretorias, normalmente formadas por produtores maiores ou, politicamente, melhores articulados, nem sempre reúnem as melhores competências para a gestão destes empreendimentos.

O grande mercado consumidor para os derivados lácteos, assim como a oportunidade de intensificação da produção das propriedades nesses dois estados, devem merecer a esta região do Sudeste, uma atenção especial por parte dos players do setor.
 

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