terça-feira, 5 de março de 2013

Robusta transição



Por Celso Luis Rodrigues Vegro
postado há 1 dia atrás

A retomada do esforço de previsão de safra de café com utilização de método probabilístico foi alcançada por meio de parceria multinstitucional. Acordo técnico-financeiro de longo prazo celebrado entre: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) e Secretarias de Agricultura Estaduais (Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Rondônia), garantirá a produção dessa relevante informação. Com o emprego da análise estatística, torna-se possível controlar os erros e viesses além de não ser suscetível à influência de interesses e concepções pré-existentes.

Com três levantamentos de campo por safra cafeeira, pretende-se obter elementos que permitam a quantificação de itens como: área, produção, produtividade, estande de cultivo; intenção de plantio, erradicação e aspectos do manejo agronômico das lavouras. Conjuntamente, tais dados possibilitarão esboçar razoável radiografia dinâmica de cada cinturão cafeeiro brasileiro.

O Espírito Santo possui dois segmentos da cafeicultura. Na porção sul, mais montanhosa e de clima tropical de altitude, cultiva-se arábica, enquanto na parte meridional e norte do estado, de menor altitude e mais quente, o cultivo do conilon é majoritário. Considerando a área total (produção + formação), sua cafeicultura é composta por 31% e 69% de lavouras de arábica e conilon, respectivamente. Quando somadas as colheitas, posiciona-se o Estado na vice-liderança no ranking nacional.

Por serem distintas as características agronômicas das espécies cafeeiras cultivadas, existem dinâmicas particulares à sua estrutura produtiva. Neste trabalho se pretende verificar em que medida, a substituição de cafezais com propósito de renovação da lavoura, têm ocorrido para ambos os cultivos.

Por existir regiões distintas de área cultivada com café arábica e conilon, elaboraram-se duas amostras independentes, de forma a serem obtidas estimativas no domínio das espécies1. Apesar da regionalização relacionada a cada uma, foram mantidos estabelecimentos de arábica em regiões de café conilon e vice-versa (Figuras 1 e 2). A amostra geral foi calculada em 606 estabelecimentos agropecuários, sendo: 330 e 276 para as espécies Coffea canephora e Coffea arábica, aplicada em outubro e novembro de 2012.

As informações foram coletadas pelos técnicos do serviço de extensão capixaba (INCAPER) utilizando-se de aplicação de questionário estruturado em entrevista direta com o cafeicultor ou responsável pela propriedade e focalizam aspectos sócio-econômicos e agronômicos da área cultivada no estabelecimento. Para a inferência estatística utilizou-se das fórmulas usuais de amostragem probabilística estratificada2,3.

No levantamento realizado no Estado entre out.-nov./2012, apurou-se que a área média em formação de arábica na safra 2010/11 era de 7.430ha enquanto a de conilon de 11.510ha. Embora exibam elevados coeficientes de variação evidenciados pelos intervalos de confiança, na safra 2011/12 ocorre um salto na formação de conilon (22.300ha) enquanto no arábica (8.219) constata-se relativa estabilidade (Tabela 1).

TABELA 1 – Áreas em Formação, Arábica e Conilon, Estado do Espírito Santo, Safras 2010/11 e 2011/12
Fonte: Dados da pesquisa, 2013.
 
Fator que exige ponderação ao menor ritmo de formação de novas lavouras de arábica consiste na verificação da densidade média de plantio. Essas novas áreas possuem densidade média de 3.458pl/ha, incremento de 816pl/ha frente a média das atualmente em produção. Tal expansão na densidade média dos talhões certamente oferecerá maiores produtividades, garantindo patamar de produção total senão estável, crescente para o arábica. No caso do robusta não se constata salto na densidade de cultivo pois a média de 2.329pl/ha é similar ao índice encontrado para as áreas em formação.

O cálculo de percentual da área em formação sobre a área total cultivada consiste em outro relevante indicador. No caso do arábica esse percentual foi de 7% para as safras 2011/12 e 2012/13, enquanto que no conilon essa taxa que também era de 7%, eleva-se para 9%. Portanto, há mudança no ritmo de formação de novas lavouras, com vantagem para o conilon. Tal fenômeno ocorre sob a plena vigência de programa governamental de apoio a renovação do arábica, que facilita crédito subvencionado para os cafeicultores renovarem suas lavouras4.

Questionados os cafeicultores sobre suas intenções de plantio (2012/13), constatou-se que a média de área que possivelmente será cultivada com arábica foi de 3.072ha (± 1.379ha), enquanto que no conilon essa expectativa atingiu a média de 10.093ha (± 2.219ha). A decisão dos cafeicultores mais favorável ao conilon deverá mantê-lo à frente do arábica na formação de novas áreas, recrudescendo a tendência verificada.

Os questionários de campo permitem que o enumerador, efetuassem anotações que considerassem relevantes. A sistematização dessas anotações mostrou que 2% dos cafeicultores (intervalo de confiança de 1% a 3%) até então cadastrados na amostragem como produtores de arábica, substituíram suas lavouras por conilon (Tabela 2).

TABELA 2 – Lavoura atual e substituição de cultivo, Estado do Espírito Santo, safra 2012/13

Fonte: dados da pesquisa, 2013
 

Relacionar algumas dessas anotações pode melhor caracterizar o fenômeno:

“Pai dividiu a propriedade com o filho que substituiu 8ha de arábica por conilon”

“o cafeicultor pretende cultivar o conilon mas não definiu área ainda”

“produtor de leite desmotivado com o café que ao arrendar para parceiro que substituiu a lavoura por conilon”

“o cafeicultor tem muito interesse na substituição pelo conilon pelo fato da produtividade ser maior e ter menos demanda por mão de obra. Possui 1,0 de conilon e prepara área para plantar mais 8 mil plantas”

“possui 8.000 plantas de conilon que vem sendo cultivadas em substituição ao arábica”.


Esses depoimentos foram recolhidos nas regiões que concentram a produção do conilon. A aqui denominada “Transição Robusta” é fenômeno em curso na cafeicultura capixaba. Nos depoimentos não houve caso de substituição do conilon por arábica (Tabela 2). Na safra 2012/13, a pesquisa evidenciou que 10.737ha de áreas em produção de conilon foram renovadas. No arábica esse mesmo indicador foi de 872ha no mesmo período.

A erradicação de lavouras é outro elemento distintivo. No caso dos cafeicultores de arábica esse percentual foi maior do que o encontrado entre os de conilon. Enquanto no primeiro o índice médio foi de 24% (intervalo de 17% a 32%) no segundo foi de 7%, (de 4% a 11%).

Constatou-se maior grau de especialização dos cafeicultores de conilon, com 93,3% deles tendo por atividade econômica principal a produção dessa espécie. Para o arábica esse índice alcançou 81,8% que, tampouco, é baixo, porém evidencia ao menos tênue orientação pela diversificação produtiva. A especialização produtiva embora seja ariscada ao empreendimento econômico, conduz necessariamente a maior aproximação com as inovações e tecnologias, favorecendo sua mais rápida adoção e difusão.

Decisões produtivas são grandemente selecionadas pautando-se por variáveis econômicas não se constituindo, a cafeicultura, numa exceção. Pilares de natureza econômica, ainda que vinculados aos sistemas produtivos complexos, sustentam a impressão em que desponta o cenário de “transição robusta” capixaba.

Na safra 2012/13, a produtividade média registrada para o conilon foi de 41,5sc/ha enquanto no arábica atingiu os 24,4sc/ha de média. Esse distanciamento das produtividades entre as espécies é fato conhecido. O desenvolvimento das mudas clonais de conilon com a consolidação de sistemas produtivos desenhados para diferentes perfis de cafeicultores, propiciaram o incremento desse diferencial.

Em levantamentos anteriores constatou-se que os cafeicultores tinham percepção bem aderente aos estudos formais quanto ao custo operacional efetivo de suas lavouras4. O custo médio unitário obtido entre os cafeicultores de arábica resultou em R$227,85/sc enquanto entre aqueles dedicados ao robusta foi de R$150,16/sc. Apuração do custo operacional efetivo para conilon em Jaguaré/ES (irrigado e com produtividade média de 65sc/ha) alcançou R$160,95/sc5.

Estando os custos declarados como relativamente alinhados com aqueles calculados e, dispondo-se dos preços recebidos igualmente declarados, pode-se estimar a rentabilidade de ambas as explorações. O arábica auferiu sobra de R$79,22/sc, enquanto que para o conilon esse montante foi de R$106,28/sc. Com produtividade maior e rentabilidade superior, o apelo para o ingresso nessa “Transição Robusta” torna-se irresistível.

A composição do blend mundial já opera com a adoção de 50% de robustas nas ligas, percentual esse que pode ser ainda maior no segundo maior mercado consumidor da bebida (LEME, 2013)6 pode explicar, parcialmente, a melhor rentabilidade do conilon.

Analistas de mercado conferem a passiva aceitação por parte dos consumidores de ligas com percentuais crescentes de (conilon – Brasil) e robusta (demais mercados), como uma das causas para o êxito das transnacionais da torrefação em sua estratégia de reestruturar esse mercado. Todavia, essa visão reduz em demasia a complexidade do assunto. Uma das mais fortes características dos apreciadores de café consiste na exigência e rigor com que praticam seu hábito de consumo. Isso se comprova pelo boom global do mercado por dose (cápsulas). O poder concentrador representado pelas estruturas de varejo e a imposição de suas estratégias hipercompetitivas no qual a distribuição de alimentos a baixo custo é sua principal bandeira. Sob comando do mais baixos preços aspectos como qualidade, segurança sanitária e legalidade tornam-se secundárias7. A posição das torrefadoras e dos consumidores são neutralizadas diante dessa postura. O varejo tem no café torrado e moído um ícone para os baixos preços e diversas promoções, participando da gôndola somente aqueles que aderirem a essa orientação. Esse é o cerne do perfeito encaixe (na verdade ludibriar os incautos) entre elevação do conilon/robusta nas ligas; as estruturas varejistas pilotando as cadeias agroalimentares e os consumidores sem capacidade de reação diante da universalização dessa estratégia. A hipótese de passividade dos consumidores não revela o que de fato acontece nesse mercado e deveria ser descontinuada.

A crise financeira promoveu mudanças nos hábitos de consumo em que o retorno para o preparo da bebida no lar foi o mais evidente. Nessa perspectiva ganham relevo os cafés solúveis devido a sua conveniência e praticidade, alinhando-se essa tendência com a crescente demanda por esse produto entre os países emergentes em café. Com demanda firme para os robustas, as expensas dos volumes de embarques crescentes desse grão, suas cotações ainda assim exibem escalada de preços. Tal fenômeno somente é possível mediante o tempestivo encolhimento da participação de mercado dos arábicas.

Com tantos prós para o conilon/robusta e inúmeros talvez para os arábicas que elementos mobilizar para oxigenar/dinamizar o mercado do arábica? O investimento em melhoria da qualidade capaz de criar especialidades e administrado por contratos pode ser uma alternativa, assim como a exploração de segmentos em que a qualidade continua sendo determinante8.

O saudoso Dr Ernesto Illy, enfatizava em seus pronunciamentos que a prosperidade do mercado de café viria do máximo aproveitamento da conversão evolutiva dos nariz e língua humanos, de estruturas de defesa em instrumentos devotados a satisfação/prazer. Essa é a mais essencial vocação da bebida e a crença de quem pratica o conceito da qualidade. Arábicas e robustas que congregarem a máxima excelência na xícara permanecerão participando desse tão volátil mercado.

1 FRANCISCO V. L. F. dos S. et al. Modelo estatístico e econômico para a estimativa da safra brasileira de café. Informações Econômicas, São Paulo, v. 40, n. 12, p. 26-36, dez./2010.

2 KISH, Leslie. 1965. Survey Sampling. New York: John Wiley and Sons, Inc.

3 Disponível em: http://www.incaper.es.gov.br/pedeag/setores03_04.htm (consulta em 14/02/2012)

4 VEGRO, C. L. R.; FRANCISCO, V. L. F. dos S.; ÂNGELO, J. A. Cafeicultor: um produtor econômico racional. Análise e Indicadores do Agronegócio. São Paulo, v. 5, n. 10, outubro, 2010. Disponível em <http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=11990>. Acesso em: 24 nov. 2011.

5 CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL - CNA. Projeto Campo Futuro. dez.2012. Disponível em <http://www.cafepoint.com.br/mypoint/nataliassf/p_as_rentabilidades_dos_cafes_do_brasil
_rentabilidade_renda_cafeicultura_cna_campo_futuro_ufla_custo_de_producao_cafes_do_
brasil_4938.aspx>

6 LEME, P.H. O novo mundo do café. Cafepoint, Piracicaba/SP, jan.2013. Disponível em: http://www.cafepoint.com.br/cadeia-produtiva/marketing-do-cafe/o-novo-mundo-do-cafe-82396n.aspx#comentario81756

7 O caso da distribuição de carne de cavalo nos hipermercados ingleses denota esse tipo atitude inescrupulosa. Matéria do Financial Times tratou do assunto e foi compilada pelo Valor Econômico. Ver: http://www.valor.com.br/empresas/3004770/conspiracao-ou-competicao e abordada no CaféPoint pelos colunistas Bruno Varella Miranda e Sylvia Saes em <http://www.cafepoint.com.br/mercado/conjuntura-de-mercado/gato-por-lebre-82748n.aspx>

8 Especificamente o programa Nucoffee da Syngenta e o posicionamento do Café do Centro exemplificam tais orientações.

Figura 1 – Distribuição Geográfica da área municipal de café arábica, Estado do Espírito Santo

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Censo Agropecuário IBGE (2006).

Figura 2 – Distribuição Geográfica da área municipal de café conilon, Estado do Espírito Santo

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Censo Agropecuário IBGE (2006).


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Comentários:

Caríssimo Celso,

Realmente, se existe uma força nesta balança que também foi, não menosprezada eu diria, mas "negligenciada" em nossas análises foi o poder do varejo.

Sabemos que no marketing os limites entre a aceitação dos consumidores e a influência das estratégias de vendas e propaganda dos vendedores é turvo.

Sua explanação é esclarecedora no sentido de colocar os pingos nos "i"s. Quando produtores se levantam contra a indústria, sua razão termina justamente na dinâmica imposta ao mercado pelos membros da cadeia que hoje possuem o maior poder no mercado: o varejo. Ele sim pressiona a indústria ao jogo do "menos por menos".

Mesmo quando vimos a Rede Pão-de-açúcar levantar a bandeira do café gourmet em algumas de suas lojas, normalmente víamos gôndolas confusas e consumidores perdidos entre mais de 30, 40 marcas de cafés especiais. Neste caso, talvez o uso de embalagens menores poderia ter ajudado na escolha dos consumidores e no giro das gôndolas. Mais uma vez, faltam estudos na área.

De qualquer forma, precisamos reconhecer que as percepções de qualidade dos consumidores sobre o que é um bom café e dos especialistas ainda difere bastante. Fatores como conveniência e indulgência não se referem a valores intrínsecos à bebida, mas a fatores extrínsecos.

A transição Robusta está em curso... e não é só no ES.

Um grande abraço,

PH

Obs: estava ansioso pelo artigo.
Prezado PH,

Nossos artigos se complementam e isso colabora para que a compreensão do real se estabeleça de forma menos contraditória, pois se forma aquilo que é denominado de massa crítica.

Não sou devoto de despejar todos os problemas desse mundo nas costas dos consumidores. O Estado e as empresas são em geral os grandes ausentes dos debates sobre sustentabilidade e hábitos de consumo. Sem as outras duas figuras qualquer análise será manca e essa é minha principal e exclusiva crítica ao seu artigo.

Quanto ao avanço do robusta minha abordagem foi no sentido da construção de cenários e não de fatos consumados. Tanto é verdade que ao final encerro com mensagem do Dr. Illy ressaltando que sem qualidade, em breve, não haverá espaço nem para o arábica nem para o robusta.

Abçs
Celso 

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