terça-feira, 26 de março de 2013

Luta antipobreza 2.0



Por Jomo Kwame Sundaram
Líderes mundiais aplaudiram o aparente sucesso de ter atingido em 2010 - bem antes do prazo estipulado, de 2015 - os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs) de reduzir pela metade o número de pessoas que viviam abaixo da linha da pobreza em 1990. Mas, em meio à persistência da pobreza, aumento da desigualdade e baixo crescimento em muitos países em desenvolvimento o sucesso das políticas e programas antipobreza do passado parecem duvidosos.
Na verdade, fora da Ásia Oriental, os progressos foram modestos, sendo que a situação piorou em alguns países e regiões - apesar das ondas de crescimento e da expansão sustentável em alguns grandes países em desenvolvimento e dos compromissos públicos da comunidade internacional com a Declaração do Milênio de 20001, que resultou nos ODMs2.
Esse histórico contrastante coloca em dúvida a eficácia das políticas convencionais de redução da pobreza, muitas vezes identificadas com as propostas do Consenso de Washington, que mudou o discurso sobre a pobreza nos anos 80. As reformas do Consenso de Washington - incluindo a estabilização macroeconômica (definida como inflação inferior a 10%) e liberalização do mercado - supostamente reduziriam a pobreza ao acelerar o crescimento.
Os líderes mundiais precisam seguir políticas de redução da pobreza que incentivem crescimento e desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável. Só quando todos os cidadãos se beneficiarem disso é que os líderes empenhados na redução da pobreza terão sido bem-sucedidos
Dedicou-se pouca atenção, entretanto, às causas estruturais da pobreza, como a desigualdade de oportunidades e de patrimônio ou os efeitos distributivos desiguais do crescimento. E como a mão de obra de baixa qualificação tende a ser a primeira a perder o emprego em maus momentos econômicos e como o nível de emprego em geral acompanha com atraso a recuperação econômica, em última análise, os baixos investimentos públicos em saúde, educação e outros programas sociais aumentaram a vulnerabilidade dos mais pobres.
Não é surpresa, portanto, que os efeitos da crise econômica internacional de 2008 - a pior desde a Grande Depressão os anos 30 - tenham levado especialistas, autoridades e instituições financeiras internacionais a repensar a pobreza. Muitos vêm rejeitando os pontos de vista outrora dominantes sobre a pobreza e privações básicas, alertando que podem levar a políticas ineficientes.
Por exemplo, o Relatório sobre a Situação Social Mundial: Repensando a Pobreza3 e seu livro associado Poor Poverty: The Impoverishment of Analysis, Measurement, and Policies4 (pobre pobreza: o empobrecimento das análises, mensurações e políticas, em inglês) procuraram fazer avançar o debate sobre a pobreza, examinando a estrutura convencional das políticas e avaliando os programas de redução de pobreza mais adotados. Para promover a igualdade e o desenvolvimento sustentável, ambos asseveram a necessidade de afastar-se da mentalidade fundamentalista de livre-mercado, que dominou as estratégias de redução da pobreza nas últimas décadas, e avançar em direção a medidas mais sensíveis aos contextos.
Esses relatórios contestam, de fato, a abordagem predominante, que deixou mais de 1 bilhão de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza (definida como o equivalente, pela paridade do poder de compra, a US$ 1,25 por dia, em 2005) e não conseguiu impedir a estagnação das economias na maioria dos países. Enquanto isso, a iniquidade aumentou no mundo como um todo
A Organização das Nações Unidas (ONU) encoraja os governos a assumir um papel mais proativo no desenvolvimento, o que implicaria uma abordagem de políticas integradas, voltadas à promoção de mudanças estruturais e redução da desigualdade, vulnerabilidade e insegurança econômica.
Em termos gerais, as economias que foram bem-sucedidas tanto na redução da pobreza como na expansão da economia nos últimos 30 anos o conseguiram graças à adoção de políticas heterodoxas e pragmáticas. Muitas vezes valendo-se de uma linguagem favorável aos mercados e aos investidores, esses países encorajaram em geral os investimentos privados especialmente nas atividades econômicas desejadas, como as que criam mais oportunidades de empregos ou oferecem maiores retornos.
A condicionalidade aos recursos de programas de auxílio e os compromissos assumidos em tratados reduziram, no entanto, a capacidade de adoção de políticas na maioria dos países em desenvolvimento, em especial nos mais pobres. Em particular, o baixo crescimento e as perdas de receita decorrentes de programas de liberalização da economia reduziram a abrangência da política fiscal, com sérias consequências para a pobreza e a miséria. Essa tendência precisa ser revertida.
Além disso, embora os programas que a maioria dos doadores gosta - como o microcrédito, formalização da posse de terras e reformas de governança - tenham ajudado algumas vezes a melhorar as condições dos pobres, não reduziram a pobreza de forma significativa.
Nas últimas décadas, as políticas sociais cada vez mais envolveram alguma forma de comprovação sobre os meios das pessoas aptas a receber os benefícios, aparentemente para aumentar sua eficácia em relação aos custos. Em geral, contudo, as políticas sociais universais vêm sendo muito mais eficazes e sustentáveis politicamente, enquanto as políticas direcionadas aos pobres ou aos "pobres entre os pobres" frequentemente são muito custosas, negligenciando muitos dos que mais precisam.
O direito à seguridade social consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos requer proteção social universal para assegurar o bem-estar de todos, incluindo as pessoas que vivem na pobreza e as que correm risco de cair na pobreza. As políticas, proteções e provisionamentos sociais precisam, portanto, ser parte integral das estratégias de desenvolvimento e redução da pobreza.
Na maioria dos países, o piso básico de proteção social - que pode ajudar os países a mitigar os efeitos negativos dos choques econômicos e evitar que as pessoas caiam ainda mais fundo na pobreza - é acessível. Os países menos desenvolvidos e de renda mais baixa, entretanto, precisam de assistência para elevar esse piso a níveis mais aceitáveis.
Para enfrentar a pobreza mundial de forma mais eficaz, os líderes mundiais precisam seguir políticas de redução da pobreza que incentivem um crescimento e desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável - o que por sua vez aumentaria os recursos fiscais disponíveis para os gastos sociais. Apenas quando todos os cidadãos se beneficiarem do desenvolvimento econômico é que os líderes empenhados na redução da pobreza poderão reivindicar sucesso de verdade. (Tradução de Sabino Ahumada).


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