quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

A VISÃO DA JORNALISTA JÚLIA LOPES DE ALMEIDA SOBRE O ESPÍRITO SANTO EM 1911

Estou convencida, agora mais do que nunca, de que precisamos fazer a propaganda do Brasil—não só na Europa, onde ela deve ser feita com extrema habilidade, como no próprio Brasil. Porque a verdade é esta: nós conhecemos muito imperfeitamente o nosso país. Acabo eu própria de obter uma prova disto, observando num estado vizinho coisas, que estava bem longe de imaginar.
Deliberei por esse motivo expô-las a quem tinha delas a mesma ignorância que eu tinha. Escrevo com inteira e absoluta isenção, por não ser presa à política por nenhum vínculo quer de família, quer de simpatia pessoal.
Comecemos:
Quando constou que eu arrumava minhas malas para uma excursão à Vitória, alguém, que não há muitos anos viveu por algum tempo nessa cidade, correu a avisar-me que as suas ruas eram fétidas, verdadeiros depósitos de lixo, não devendo eu esquecer-me de carregar comigo frascos de desinfetante e perfumarias. Obedeci sem hesitação, pondo um vidro de Feno, em cada canto da mala e enchendo de frascos de essências a bolsinha de mão. Além dessa calamidade, avisava-me o meu informante, há a da falta d’água. Um chafariz pinga uma lágrima hipócrita de cinco em cinco minutos, ainda assim espremida com inaudito esforço e esperada pela população com enorme anseio. Em frente do chafariz há sempre uma multidão de carregadores, homens, mulheres e crianças, com bilhas e latas vazias de querosene, fazendo cauda, à espera do momento feliz de ir aparar o choro da fonte quase exaurida.
Só esse espetáculo basta para demonstrar a apatia daquela gente. Quem quiser, após as agruras de uma longa viagem, refrescar-se, ao chegar ao hotel, com um banho geral, terá de avisar o hoteleiro com certo tempo de antecedência por carta ou por telegrama, para que ele possa dar para isso as suas providências.
Ouvindo tais palavras eu não sabia se havia de sorrir, se de tremer, tanto elas me pareciam mentirosas ou apavorantes! Logo a onda das informações engrossou. Toda a gente que dizia conhecer o Espírito Santo me descrevia com pena o seu atraso material. Além do mais afirmava-se que o fanatismo do seu atual presidente criara por todo o estado uma atmosfera opressiva de desconfiança e de terror. Ninguém dobrava uma esquina sem se benzer. Falava-se em funcionários exonerados de cargos vitalícios por não assistirem à missa (!); em ruas coalhadas de batinas e de gente escorrida, de olhos postos no chão ou espreitando pelas frinchas a vida alheia para fazer ressuscitar na terra brasileira a alma terrível da Inquisição.
Procuro orientar-me pela leitura dos jornais. Mas o jornais não me orientam. Ao contrário, agravam-se a expectativa, comentando com acrimônia um contrato de madeiras firmado pelo governo do Espírito Santo com uma firma estrangeira, em que, segundo dizem, as florestas famosas desse estado serão devastadas, pondo a nu a terra e amesquinhando os mananciais dos rios. Eu, que sou uma defensora das florestas, toda me sinto arrepiar a esses comentários. Diante de tantas informações desagradáveis, não será muito mais prudente deixar-me ficar quietinha em casa? Voltando-me, entretanto, a falar da beleza da baía de Vitória, Afonso Celso, alma de artista e de poeta, recomenda-me que não deixe de navegar em horas de vária luz por entre as sua penedias e as suas ilhas maravilhosas. Há qualquer coisa que me chama, que atrai o meu coração e o meu pensamento para essas terras tão nossas vizinhas e tão nossas desconhecidas; tomo uma resolução e invisto para o trem.

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