·
O trajeto de Beirute a
Saida, primeiro por uma ampla rodovia pelos subúrbios e o aeroporto
internacional, depois por uma estrada à beira-mar cruzando a zona urbana de
pequenas cidades que alternam plantações de legumes e pequenos resorts, poderia
ser feito em menos de quarenta minutos. Mas o microônibus que sai de Cola, uma
estação improvisada sob um viaduto, leva pelo menos uma hora e meia em um ritmo
lento constantemente interrompido para que passageiros embarquem e desembarquem
ao longo do percurso.
O motorista é um tipo tranquilo que prefere
trafegar com a porta aberta e não vê problemas em encostar o carro no
acostamento para comprar um café. Ele me sorri quando desliga o motor num
grande pátio onde estão estacionadas dezenas de vans. É a estação de Saida,
balneário ao sul da capital e reduto majoritariamente sunita.
Era o fim da tarde de sexta-feira quando desci
ali pela primeira vez. O comércio estava quase todo fechado e os alto-falantes
de uma mesquita ecoavam orações e cânticos. Precisei da ajuda de um funcionário
de uma casa de câmbio que me indicou sumariamente o caminho até o Studio Najun
e escreveu em árabe o endereço. Antes de partir, me mostrou uma antiga câmera
de vídeo JVC que não tinha o visor.
Um guarda de trânsito a quem mostrei o papel
corrigiu meu caminho com dois gestos de braço e, quando finalmente encontrei o
estúdio, um homem e um adolescente puxavam a porta de metal até o chão. Tirei a
câmera do bolso da jaqueta e citei o nome de Khalil Abdalah. O homem entendeu e
o garoto me perguntou em inglês se ele havia dito que eu deixasse ali.
Confirmei e peguei seu telefone.
Quando retornei, quatro dias depois, Khalil me
esperava ao lado de um jipe Cherokee vinho. Vestia uma calça jeans apertada,
tinha um pequeno bigode e sua aparência não condizia com a imagem que eu havia
criado de alguém interessado em consertar velhos equipamentos de fotografia.
Foi um certo Abou Basheir, de Hamra, quem
havia me passado seu contato. Antes, todos os estúdios e fotógrafos de Beirute
que consultei sugeriram que eu enviasse a câmera para a Alemanha ou levasse de
volta ao Brasil. O Sr. Vartan, um armênio de Bourj Hammoud a quem primeiro
recorri, apesar de bem-intencionado lamentou não ter as ferramentas adequadas.
O desafio mobilizou meus esforços enquanto
ninguém entendia porquê gastar dinheiro e arriscar a vida em aventuras
solitárias de microônibus apenas para consertar uma câmera fotográfica antiga.
O Khalil me entregou um cartão e, em um blefe,
falei que poderia divulgar seu serviços a outros interessados, mas ele
continuou irredutível quanto ao preço do conserto – e fez muito bem, já que
conheço apenas duas pessoas de um grupo de fotógrafos de rua que me passaram,
por email, algumas indicações. Paguei e pedi que ele me ajudasse a colocar o
filme – é sempre uma operação delicada pra mim e gosto de olhar como os outros
fazem. Depois quis testar a câmera e sugeri que ele se postasse diante do
Studio Najun. Ele fez uma pose qualquer e eu apertei o botão sem pensar muito.
o
§
§
Nenhum comentário:
Postar um comentário