terça-feira, 11 de novembro de 2014

O “embaixador” do agroturismo


Linda Kogure





Ele costuma dizer que “a mudança tem de começar com uma pequena ação”. Parece
ser assim que o jornalista Ronald Mansur tem pautado sua vida profissional e pessoal.

Há mais de 30 anos – sempre ligado à cobertura dos feitos do homem do campo e
entusiasta do desempenho do pequeno produtor rural –, ele acompanhou o nascimento
e o crescimento do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (Mepes),
e participou do agroturismo, em Venda Nova do Imigrante, e sua expansão para outros
municípios. Dois fatos emblemáticos que transformaram a vida do produtor rural. Além
da divulgação na mídia espontânea, Mansur sempre se deu ao trabalho voluntário e
pessoal de abrir “a porteira”, romper as difíceis fronteiras que separavam os produtores
do mercado consumidor na Grande Vitória, sem a figura do atravessador. Por essas e
por outras, é considerado, hoje, o “embaixador do agroturismo”.

Só para citar um exemplo prático, em 2001, Mansur tomou a iniciativa pessoal de
levar o queijo produzido na Fazenda Providência, dos Carnielli, para Ian (Ianderson
Marchiori), gerente da Vila Fruti, degustar. Degustado e aprovado, a “porteira” se abriu.
A Vila passou a ser a primeira vitrine, ou melhor, “o porto seguro”, como diz Mansur,
do agroturismo de Venda Nova. A “pequena ação” do jornalista resolveu o maior
gargalo dos produtores rurais: a distribuição e a comercialização na Grande Vitória.
Ian recorda que “chegamos a levar funcionários para conhecer a fonte e passávamos
o domingo na fazenda”. Claro que outros pioneiros do agroturismo vieram logo em
seguida: Tia Cila e seus biscoitos; a sobrinha dela, Sônia, com seus pães de nata com
goiabada e mentiras; a Josepha Trakofler com suas geleias; os Lorençon com o socol
da Cacilda... Transposta a fronteira, outros tantos vieram, mas sempre pelas mãos do
“embaixador”.

“Mansur foi o grande incentivador. Sempre que voltava do interior aparecia por
aqui com uma novidade e nós sempre apoiamos”, diz Ian. Para ele, são produtos que
agregam qualidade, confiança e carisma. No início, Cacilda, curiosa, veio conhecer a
“vitrine” e a Deti Lorençon também. A divulgação interna era feita com degustação
dos produtos, já que era novidade para os clientes. “A Deti se vestia de nona, atraía
a atenção e ajudava a organizar a mesa de degustação”, lembra o gerente com bom-
humor. Esse movimento despertou também o interesse de alguns consumidores de irem
às propriedades rurais para conhecer de perto o processo de produção. Até hoje a bola
de neve não para de crescer.

Ian diz que, no início, Mansur era apenas um cliente. Em seguida, conquistou o status
de ser “cliente-amigo” por apresentar novos produtos e produtores. Hoje, é como se
fizesse parte do negócio. E Mansur confirma com ironia: “sou sócio”. O gerente acentua
que “o embaixador fiscaliza até o preço e já chegou a perguntar se não estávamos
vendendo caro”. E não é só isso: ele também fiscaliza o estoque e puxa a orelha quando
acha que determinado produto está prestes a acabar. “A gente deixa. Temos essa
intimidade”, brinca Ian.

Hoje, a Vila é o entreposto que agrega cerca de 12 produtores não só de Venda Nova
como de Santa Teresa, Araguaia (Marechal Floriano), Baunilha (Colatina), Domingos
Martins, Castelo, Iúna e até São Mateus, que embora não faça parte do agroturismo,
está representado por sua tradição local: o beiju. O café do bistrô é o Teeiro, de Iúna, e
a tilápia vem direto de Domingos Martins. Dentre outros produtos, estão os antepastos,
os queijos, o pé-de-moleque de macadâmia e os biscoitos. Dessa vitrine pioneira, os
produtores conquistaram outros postos de venda.

Na outra margem
Para os produtores, Mansur é mais do que um amigo. Observador atento de detalhes
que passam despercebidos, ele também conquistou a fama de ter “bom ouvido” para
tudo e é consultado constantemente. “Não tomo nenhuma decisão sem ouvir o Mansur”,
confirma Afonso Locatelli, produtor da cachaça Suprema, em São Roque de Canaã. Ele
acredita que o agroturismo não seria o que é sem o Mansur. “Não é só pela divulgação
que ele fez no Jornal do Campo. Ele é nosso irmão, nosso consultor, nosso embaixador.
A gente deve tudo ao Mansur. Pode perguntar para os outros produtores que a resposta
será a mesma”.

Muitas vezes o “embaixador” cumpre até a função de conciliador de discussões
familiares. “Eles sempre me consultam para tudo. E eu tento ajudar”, diz o jornalista.
São pequenas ações acumuladas ao longo de décadas de convivência que resultam em
credibilidade e afeto.

O “embaixador” também faz a interlocução entre os produtores, aproximando-os para
gerar novos negócios. Em maio último, por exemplo, ao descobrir que Viviane e Éliton,
proprietários da Cantina Matiello, de Santa Teresa, iniciam nova atividade – receber
grupos para degustar vinhos (por encomenda), com direito a uma farta mesa de quitutes

–, Mansur foi logo avisando: a Karla Lievore (Reserva dos Imigrantes) está produzindo
queijo de seis quilos, por encomenda, para eventos. “Esse queijo vai chamar a atenção
na mesa”. Viviane ficou interessadíssima. O jornalista passou os contatos da Karla e o
negócio está fechado.

Nas feiras orgânicas de Vila Velha e Vitória, Mansur também está sempre presente. E
sugestões não faltam: o fubá (de moinho de pedra) que só era vendido em embalagem
de um quilo, por sugestão do “apoiador”, ganhou opções de meio quilo, e as vendas
duplicaram. Seu contato também é tão estreito com os feirantes que ele é sempre visto
arrumando a “desordem” deixada pelos clientes após a escolha dos produtos. Um dia,
uma senhora lhe perguntou: “O senhor também faz isso em casa?” Ele riu e respondeu:
“mais ou menos”.

Trajetória
O jornalista começou sua carreira no extinto O Diário entre 1972 e 1973. Passou a
cobrir o meio rural, logo em seguida, no jornal A Gazeta. Na época, cursava a faculdade
de Geografia e adorava estudar a dinâmica populacional. Ali, entendeu que as cidades
cresceriam em população. Por isso, quis ser repórter rural até para entender melhor a
cidade. Depois, atuou em A Tribuna e, em 1979, foi para a TV Gazeta montar o Jornal
do Campo, onde permaneceu até 2011.

Conhecer e conviver com a realidade rural “me ajudou muito como profissional”,
o que incluía também as iniciativas comunitárias, de cooperativas e de educação
rural, sobretudo, a filosofia do Mepes que atua em três bases: educação, saúde e ação
comunitária para o homem rural, alternativa de fixá-lo no campo com a família, e em
condições de dignidade.

“Ver, julgar e agir” são as palavras-chave do Mepes, responsável pela criação das
Escolas Famílias no Estado, que se diferenciam das escolas rurais tradicionais pelo
método do sistema de alternância: uma semana na escola e outra em casa. No período
com a família, o aluno desenvolve ações agrícolas e sociais, repassando a todos o que
aprende na escola: técnicas da agricultura, comercialização, cooperativismo, medicina
caseira, além de pesquisas sobre a origem da família e da comunidade. Como diz
Mansur é “a educação da base” que mais do que ensinar, transforma o sujeito e o seu
meio social, econômico e ambiental.

Do fundador do Mepes, o padre jesuíta Humberto Pietrogrande, o jornalista ouviu,
repete e pratica até hoje: “Encontrar-se para conhecer-se/ Conhecer-se para caminhar
juntos/ caminhar juntos para crescer/ Crescer para amar-se mais”. Em 1987, o jornalista
foi convidado pelo Mepes para conhecer o “agriturismo” praticado na Itália. E visitou
também a propriedade de Roberto Tessari, italiano que morou no Brasil e trabalhou na
Escola Família Agrícola de Iconha como voluntário. Foi de sua Azienda Agrituristica
Mondragon, em Treviso, Veneto, que nasceu a ideia do agroturismo no Espírito
Santo, em 1992, em Venda Nova do Imigrante, relata o jornalista. “Criei a palavra
“agroturismo” e começamos a trabalhar com as famílias de Venda Nova do Imigrante.

Deu certo e hoje o agroturismo é uma realidade onde a palavra inicial é do produtor,
porque ele sabe da sua vida e como a quer. Mas o apoio técnico sempre foi importante e
vital”.

Para Mansur, Venda Nova deu o ponta-pé inicial porque o município soube preservar a
essência de seus imigrantes: o espírito comunitário e as outras tradições dos imigrantes
italianos na culinária, na música e na agricultura familiar, dentre outros. Exemplos não
faltam: o Hospital Padre Máximo foi construído pela comunidade e as Voluntárias do
Hospital ajudam a mantê-lo; a Escola Família do Mepes; o Coral Santa Cecília e a Festa
da Polenta, que reúne mais de 500 voluntários. Todas essas ações são também fruto do
trabalho do Padre Cleto, que estimulou a comunidade em prol do coletivo.

Em seu blog, Mansur registra: “Lembro que quando o agroturismo começou em
Venda Nova do Imigrante, na montanha capixaba, apenas quatro famílias participavam
juntamente com o Hotel Alpes, que acabara de ser inaugurado. As famílias da tia Cila
Altoé, Caliman Lorenção, Zorzal Carnielli e Trakofler. Josepha Trakofler, ao ser
indagada sobre o pequeno número de famílias que davam início ao agroturismo, falou: Com pouco que é bom, se der certo outras virão”. De fato, outras famílias rurais vieram
e o agroturismo rompeu as fronteiras de Venda Nova para formar uma rede de fonte
alternativa de trabalho e renda para o pequeno produtor rural capixaba, que tem evitado
o êxodo para os centros urbanos.

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