segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A TRADIÇÃO DA CONCERTINA LEVADA ADIANTE POR SEIS TOCADORES APAIXONADOS


10/11/2014 -
O Festival de Concertina, Sanfona e Viola, realizado pela Prefeitura, na Secretaria Municipal de Cultura, teve a sua edição 2014 finalizada domingo, na Praça Sol Poente, às 20 horas, depois de sete etapas pelo interior do município animando as comunidades..
Dos três instrumentos, o que tem menos tocadores em Colatina é a concertina, conhecida como acordeão diatônico, de palhetas livres, com fole, semelhante a acordeão, com dois teclados dispostos de maneira a favorecer a formação de acordes pelo tocador. Sua origem data de instrumentos primitivos, como o cheng, usado na china em 2.700 A.C.
Entre os 30 músicos que estarão na Praça no Festival, estará o time de craques concertinistas como Vitorino Comério, Teodoro Werneck, Álvaro Serafini, Paulo Sarter, João Candeias e Marcelino Shuanz que há décadas é o responsável por levar adiante a tradição do instrumento e não deixar desaparecer.
O caminhoneiro aposentado Vitorino Comério, 80 anos, é um dos mais atuantes. Ele contou que começou a tocar aos 13 anos, sozinho, “de olho”, só vendo o vizinho Hilário Massucatti tocar, em Barracão de Baunilha, lugar onde nasceu e morava na época.
“Não era fácil, mas aprendi. A concertina é difícil de tocar. Você abre, é um som, e quando fecha, é outro. O Hilário tinha uns 10 anos mais que eu e insistia para que meu pai comprasse a concertina dele para mim. Aí meu pai comprou uma por 30 contos de réis do João Junca. Foi com ela que aprendi a tocar. Antes eu só olhava os outros tocarem, o que faziam com os dedos, e aí eu pensava que um dia ia chegar lá. Fiquei com ela ainda uns seis anos e depois deixei com meu irmão. Daí fiquei uns 10 anos sem tocar, até comprar a que tenho hoje”, lembrou.
E foi com sua concertina que o pai comprou que ele, aos 16 anos, já tocava nos bailes nas casas de família. “Era até amanhecer o dia. Nessa época, eu só tinha uns três amigos que tocavam. Trabalhava na roça ajudando meus pais Guerino e Inês. Aos 17 anos sai de casa para trabalhar com café com a família Padovan, onde aprendi até a dirigir carro”.
A concertina que Vitorino tem hoje foi adquirida nos anos 50. Veio da Alemanha para um vendedor alemão que morava em Santa Leopoldina (ES). “Ainda tem o nome dele atrás. Passou por uns três donos até eu comprar. Já está comigo há 62 anos. Comprei de Luís Kirme, de origem alemã, que já tinha comprado de outro há mais de 30 anos. Eu sempre pedia para ele me vender e ele dizia que não, que era ‘um joio’, mas que se resolvesse vender seria para mim. E foi o que aconteceu depois. Ele morava no Bairro Aparecida, mas já morreu”, afirmou.
Ele revelou que já rejeitou proposta de R$ 20 mil por ela, mas garante que não vende. “Quem tem não abre mão. As que ainda existem foram trazidas pelos alemães quando imigraram para cá”, disse ele, explicando que o instrumento tem 26 botões, fora o fole (parte sanfonada). O restante é todo de madeira com inscrições prateadas (desenho com rosas). E veio junto com o triângulo. Pagou 200 contos de réis, que na época era muito dinheiro.
No final dos anos 50, Vitorino veio morar na casa onde mora no Bairro Lacê. Comprou um caminhão para trabalhar como caminhoneiro. Mais de 20 anos depois, desistiu da estrada, comprou uma máquina de pilar café, colocou sobre o caminhão e foi para a roça oferecer seus serviços nas propriedades. Trabalhou por mais de 20 anos e depois parou. Há muitos anos aposentado, ele frisou que só quer aproveitar a vida, passear, tocar concertina e ajudar em casa a mulher, Maria, com quem é casado há 60 anos e tem seis filhos.
O aposentado relembra saudoso que hoje não existe mais baile só para concertina como antes.Que a preferência é por acordeon e teclado, e principalmente pelo acordeon, porque é mais fácil de aprender. “Na época que eu aprendi a tocar, tinha apenas cinco amigos que tocavam. Os irmãos Luís e Aristi Romano, Quintino Schneider, Antonio Gramlick e Osvaldo Corrêa. Os quatro primeiros já morreram e o Osvaldo mora em Linhares”, frisou.
Para ele o festival é importante “porque ajuda a gente a viver melhor. Mexe com a nossa autoestima. Saio para tocar, converso com os amigos, me divirto muito. Participo desde que começou há sete anos. Para fazer amizade hoje é melhor do que no passado. Eram poucos os amigos de concertina e hoje eu tenho do estado inteiro”.
Teodoro Werneck teve seu primeiro contato com a concertina aos 10 anos, ainda quando morava na terra natal, em Córrego Jacarandá, em São João Grande, distrito de Itapina, onde os pais João e Maria eram agricultores. “Eu via alguns vizinhos tocarem e aprendi. Aos 11 ganhei do meu pai a minha primeira concertina. Os bailes eram tudo de concertina, dentro das casas, e iluminado com lampião. Nessa idade eu já comecei a tocar até nos casamentos, principalmente os casamentos pomeranos’, afirmou.
Os casamentos eram animados e bons para rever os amigos e fazer amizade. “A gente dividia o show com outros músicos. Nunca deu briga e brincavam a noite inteira. Nos casamentos pomeranos os convidados eram recebidos com pão, doce e lingüiça pomerana. E nos forrós, tinha café à meia noite, adoçado com cana-de-açúcar, bolinho de chuva, broa, brote de banana e muito doce de fruta. O cachê era arrecadado no chapéu, na hora da apresentação. Os pomeranos fazem assim até hoje. Nessa época minhas referências como concertinista eram Henrique Lucas e Guilherme Mantai”, disse.
Ele morou por muitos anos no município de Vila Valério. Casou em Lajinha do Pancas e continuou morando em Vila Valério com os seis filhos lá e trabalhando na roça. “Morei 25 anos em Vila Valério onde toquei em muitos casamentos. Ainda me chamam para tocar lá até hoje”, afirmou..
Há mais de 40 anos voltou para Colatina. “Em São João Grande toquei muito com João Pinto. As pessoas gostam. É um instrumento muito antigo e chama a atenção. Eu também tocava na cidade. Na época de carnaval, eu vinha de canoa pelo Rio Doce tocar em um lugar próximo à ponte Florentino Avidos, quando ela ainda era de pranchão.
Teodoro teve várias concertinas, mas vendeu e ficou bastante tempo sem tocar. Há oito anos tem a que toca no Festival de Colatina, que tem mais de 50 anos. Das histórias das andanças musicais, ele cita as mulheres que vinham de todos os cantos e que queriam namorar com ele. “Eram muitas. Até hoje em todo lugar que vamos com a concertina tem muita festa, mas eu só bebo água. O repertório tem de tudo um pouco, valsa, chote, valerão, marcha, bolero e muito forró. O pessoal mais antigo ainda gosta de dançar juntinho”, disse.
Quanto a continuação da tradição na família, poderá ficará para o bisneto de Teodoro, André, que já sinaliza o seu encanto pela concertina, ao ficar pertinho do bisavô enquanto ele toca. André poderá ser o orgulho dele e contar para todos no futuro que aprendeu com o bisavô craque na concertina que viajava pelo interior encantando as pessoas.
Sobre o Festival de Colatina, ele contou que o convite veio em 2007, quando estava sem tocar e doente, “Mesmo assim topei participar. Foi no Moschen e eu até melhorei. É uma diversão para mim e para todo o povo que participa. Reúne a família, todas as classes sociais. Participo de todos que posso”, concluiu.

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