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Há um álbum de
fotografias da família. Imagens do noivado de Sami e Rifaa na Síria; retratos
em um preto e branco muito antigo; Said jovem; cenas do casamento de Rabia;
visitas do Tio Salmen ao Líbano. Sárya e Amel passam as páginas de plástico
dizendo nomes e citando parentescos que eu não conhecia.
Paro em uma foto. É um almoço na casa do Tio
Salmen, em Vila Velha. Vejo minha mãe mais jovem do que sou hoje, meu pai, cuja
imagem sempre mantive distante das lembranças relacionadas à família materna, e
minha vó, evitando olhar diretamente para a câmera. Adiante, em outra
fotografia, estou encostado a um Fiat 147 cinza e ao meu lado estão duas
garotas um pouco mais velhas que não me lembro de ter conhecido, possivelmente
primas. Meu pai está no banco de trás do carro com minha irmã no colo e, em um
gesto não de todo mal-sucedido, tenta incluir a garotinha de pouco mais de um
ano no centro do enquadramento. Nas páginas seguintes, retratos da Leida com o
Neil ainda bebê; do Heraldo e da Liliane com o Emílio bebê; o Tio José Celso
com a Lívia no colo; Roselaine, Sérgio, José Celso, Abigail e Vô Amim no sofá
amarelo de braço de madeira da sala da Vó Celina e muitas outras imagens da
família de Manhuaçu.
Imagino que o álbum foi reunido pelo Tio
Salmen antes de sua primeira visita ao Líbano depois da guerra civil. Algumas
fotos datam de 1981 e o almoço no qual estamos eu e minha irmã, também a Tia
Síria e o Khaled, possivelmente ocorreu no início de 1988.
Logo na primeira noite eu perguntei por
fotografias da família. A Amel fez um gesto com a mão aberta e disse um
“depois” em bom português. Na primeira tarde em que ficamos sozinhos, sem
visitas, elas trouxeram o álbum até a varanda e me descreveram uma a uma as
fotografias que elas conheciam. Quando chegamos ao capítulo brasileiro, elas
pediram que eu fizesse o mesmo.
Agora elas mostram o álbum a todo mundo que
chega, tão orgulhosas quanto eu fiquei espantado e lisonjeado ao, de certa
forma, me ver criança nessa mesma casa. Elas me conhecem desde que estas fotos
aqui chegaram, não desde que eu cheguei. Os mesmos olhos me vêem agora, zelam
por mim com o mesmo cuidado de mães, repetem diariamente o quanto será triste
quando eu for embora e fazem eu repetir a afirmação, em tom de brincadeira, de
que no verão do ano que vem voltaremos todos os graizes que formam a família no
Brasil.
De onde eu falo
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