31/10/2013 -
É no Sítio São Judas Tadeu, situado a três quilômetros da sede do distrito de Boapaba, que o agricultor familiar José Antonio Brumatti, 52 anos, continua produzindo o açúcar mascavo que os pais ensinaram a ele, e aos oito irmãos, ainda pequenos, na lida da vida no campo.
O açúcar mascavo é um alimento obtido diretamente da concentração do caldo de cana recém-extraído, que elimina o uso de aditivos químicos para o processo de branqueamento e clarificação. Sua cor pode variar do dourado ao marrom-escuro, em função da variedade e da estação do ano em que a cana é colhida. É mais saudável do que o açúcar refinado, já que passa por menos processos químicos em sua elaboração, e, por isso, preserva nutrientes da cana-de-açúcar.
Há muitas décadas que o alimento é uma das fontes de renda de toda a família do patriarca Armando, falecido há sete meses, com 90 anos, no sítio de 56 hectares que morou por toda sua vida, e onde vivem ainda hoje a mulher Isaura (80 anos), filhos e netos, em três casas espalhadas pela propriedade.
Na verdade, quando nasceu, segundo o agricultor, os pais já faziam o açúcar da cana-de-açúcar. Ele conta que “desde que nós nos entendemos por gente, eu e meus irmãos sempre ajudamos a fazer. Mesmo pequenos, ajudávamos de alguma forma”.
Os pais tinham plantação de cana (da variedade Java), para suprir as necessidades de casa e ainda ganhar dinheiro. Dividiam com os vizinhos na modalidade de plantio “à meia”. Na época a cana era moída em um engenho que era movido com os bois da propriedade.
O processo de produção, que é feito uma vez por semana no período propício, continua o mesmo. Começa com o plantio da cana, que hoje é de uma outra variedade (fininha) que José Antônio não soube dizer, mas que “é boa também para a indústria produzir cachaça, até para o consumo dos animais”, explicou.
As mudas da fruta, ele conseguiu em 2002, por meio de um projeto do Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar), desenvolvido no Ifes (Instituto de Educação do Espírito Santo) de Itapina.
O melhor período de fazer o açúcar, explica ele, é entre agosto e outubro, porque é quando a cana é colhida com o melhor ponto de açúcar e de caldo. Diferente do passado, hoje ela é moída em um pequeno engenho.
Ele contou que, depois de colocar a cana no engenho, o caldo é levado para dois tachos de chapa de ferro (um de 1,60m x 80 cm e outro de 1,5 m de diâmetro), já colocados sobre dois fogões feitos de tijolos. Se a lenha for boa, em cerca de três horas o caldo se transforma em mel, e depois vira puxa-puxa. De vez em quando é mexido com uma espumadeira para retirar uma borra, que é jogada fora.
É quando está no ponto de puxa-puxa, que o produto é retirado do fogo para esfriar e secar num caixote (2m x 0,50 cm) de madeira, colocado no chão. “Mas além destes dois tachos, eu ainda faço mais um. Depois de seco, é só ensacar”, afirmou. Os 140 litros de garapa (caldo) dão cerca de 60 quilos de açúcar, que são vendidos por ali mesmo para os vizinhos ou para atender as encomendas, que nunca faltam. O quilo é vendido a R$ 3.
O bagaço é aproveitado para alimento do gado do sítio, principalmente quando há pouco capim, senão é lançado na terra para virar adubo orgânico. “Aqui nós aproveitamos tudo. Nada se perde. Tudo na propriedade é orgânico. Aprendi com meu pai, que sempre teve preocupação em produzir sem remédio”, faz questão de frisar.
O agricultor conta que quando sobra, é fornecido para a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) de Colatina. Por dois anos o açúcar foi fornecido para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) para atender a comunidades carentes e às Instituições de Longa Permanência (asilos).
José Antônio é presidente da Cooperativa de Crédito Rural de Interação Solidária (Credisol). Além de um ajudante, ele conta principalmente com a ajuda da mulher, a professora Ana Célia (que borda para fora), e ainda de um dos três filhos. As duas filhas mais velhas, Ana Eliza (21) e Ana Carolina (20) estão estudando Agronomia, no Ifes de Santa Teresa.
Ana Célia disse que a quentura é muito grande, quando mexe o caldo, e depois tem que esperar um pouco para mexer com água. “Faço de tudo um pouco, pois ainda sou dona de casa, bordo e capino. Nasci na roça. Meu pai foi vaqueiro e minha mãe professora. Fui professora por dois anos e depois virei agricultora familiar”.
O modo próprio de fazer o açúcar, dos Brumatti, já chamou a atenção de estudantes. Recentemente, alunos da Escola Ernesto Corradi, de Boapaba, foram visitar a propriedade para conhecer de perto o processo de produção do açúcar.
Tudo orgânico
Na propriedade, todos sobrevivem da agricultura familiar, aproveitando os recursos locais. A água vem de uma nascente que atende a sete famílias e às plantações e animais. Tudo é produzido primeiramente para consumo próprio, e depois transformado em fonte de renda. E o melhor, sem agrotóxicos. Plantam café, banana, feijão, abacaxi e outras frutas, e produzem leite e queijo.
Na verdade a filosofia da família é aquela de que “o que não queremos para nós, não queremos para os outros”. Ele afirma que “tudo que produzimos, vendemos. As pessoas hoje estão investindo na saúde e querem um produto de qualidade. Aprendemos que não devemos pulverizar nada que faz mal para a saúde. Desses remédios que envenenam a gente. Sempre vivemos do que produzimos. É um hábito antigo e eu vou continuar trabalhando assim como aprendi com meus pais”.
A família ainda tem 17 mil pés de abacaxi plantados, que quando colhidos, são vendidos para uma fundação de nível internacional, situada em Vitória, que trabalha apenas com alimentos orgânicos. Também vendem mangas para a mesma instituição.
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