sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

O DESABAMENTO DO EDIFÍCIO NINA. texto de Helena Machado



Desaba o Edifício. Dos escombros levanta NINA uma mulher fantástica, ungida por Deus. Muito se falou e ainda se fala do desabamento do Edifício Nina, onde perderam a vida cinco filhos da mesma família e mais outro de criação. Foi em 1971, há quarenta e seis anos. O Edifício Nina, de três ou quatro andares, ficava no coração da cidade. Para a nova geração, ele ficava em frente ao Grupo Escolar Bernardino Monteiro, hoje, Prefeitura de Cachoeiro. No terceiro andar morava a família do então falecido, Sr. Pivovaroff, engenheiro da Fábrica de cimento Nassau, que construiu o edifício. Os andares abaixo eram alugados para escritórios e no térreo ficava a mais importante loja de eletrodomésticos da cidade, "Lesqueves". A filha do engenheiro, Nina Pipovaroff, se destacou na sociedade cachoeirense por sua beleza e elegância, tendo sido eleita e coroada Rainha dos Estudantes em 1946. Casou-se com Michel Aarão e tiveram seis filhos. O mais velho, o Alexandre, tinha 17 anos, era cadeirante, vitimado que foi por paralisia infantil. O segundo era Ricardo, um jovem alto, belo porte, de 15 anos. Depois vieram as três filhas, lindas como a mãe. Fátima tinha 13 anos, Beatriz 11 e Betina de 9 anos. O caçulinha e "rapa do tacho" era o Michel Junior chamado. carinhosamente, de Michelzinho. Nina nasceu para ser mãe. A mesma educação esmerada que recebeu dos pais, ela procurou dar às filhas. As meninas eram inteligentes, educadas e estudiosas. A Malharia Helena confeccionou as roupas do desfile de modas das três adolescentes. O evento se deu, poucos dias antes da tragédia, na residência dos Vivacqua. A mãe soube passar às filhas todos os segredos da passarela. As meninas fizeram o maior sucesso e nossas roupas também! Entre os aplausos dos convidados, estavam os da avó coruja, Dona Zenaide, uma dama sentada ao lado de outra dama, Senhora Ruth Vivacqua. 

Cachoeiro chovia muito. Eu me encontrava ao lado da Chamberly, assistindo os últimos momentos do Chuca (Melquisedeque Sandoval). Éramos vizinhos e amigos. Depois dos preparativos adequados, a casa estava aberta para as exéquias. Entre os que se fizeram presentes, estava Nina e Michel Aarão. Era noite chuvosa com raios e trovões. O casal deixa o velório e volta para suas casas. Tomavam chá na sala em companhia de Dona Zenaide. Os filhos dormiam em seus quartos, que davam para os fundos, com janelas para o leito do Rio Itapemirim, quando tudo aconteceu. Desabou o Edifício Nina, soterrando toda a família. Populares, Corpo de Bombeiros e o poder público entram em ação. Desde a primeira hora me desloquei para a Santa Casa e permaneci todo o tempo ao lado de Nina e Michel, os primeiros a serem resgatados com vida. Depois a Dona Zenaide, mãe de Nina, que quebrou o quadril e ocupou quarto bem afastado dos demais. Ela não sabia da extensão da tragédia. Na cama de um dos quartos do hospital estava Nina. Dormindo ao seu lado o caçula sujo de terra e cabelos molhados. Ele foi resgatado de dentro da caixa dágua, com a água até o queixo. Michel permanecia na varanda do quarto, rodeado de amigos, muito ansioso à espera de encontrar o corpo do seu filho Ricardo e quem sabe de sua sobrevivência? Uma espera sofrida e angustiante. Ele já sabia da morte de seus outros filhos. Eu não me lembro o tempo que levou para encontrar o último corpo. Acho que foi no outro dia. Ao chegar a notícia, nenhum dos amigos quis falar pra ele. Então me incumbiram de fazê-lo. Não aceitei, porém, os ajudei.
Nina, uma fortaleza!!!  Todos os dias Nina atravessava o longo corredor da Santa Casa, e ia consolar a mãe. Ela enterrava seus filhos, enquanto a mãe de nada sabia. Havia mais perguntas do que respostas. O velório aconteceu no salão do Centro Operário. Nina comoveu a todos quando, diante das muitas lágrimas ao seu redor, pede para que não chorassem. Deus havia levado cinco mas deixado um e ela era grata e feliz por isso.
A família do Michel os acolhe. Dona Zenaide permaneceu no Hospital por longo tempo. Chamberly, que acabara de perder o Chuca, me convida para, com ela, levantarmos fundos e comprar algumas coisas para o recomeço de vida deles. E assim fizemos. A ajuda era mais simbólica do que, realmente, necessária. Era preciso mostrar solidariedade. Nina consolava a todos. A sogra vivia triste, de cenho fechado e não aceitava a tranquilidade e meiguice de Nina, sempre sorrindo e disposta a consolar os outros. Nina sentia a presença de Deus em sua vida. Ela conseguia sorrir e até sentir uma felicidade inexplicável. Com certeza era Deus! Um terço foi encontrado nos escombros, faltando cinco contas... cinco contas...
Morreu, ainda, o acompanhante do Alexandre, de 16 anos. Dizem que morreu, também, uma pobre senhora que dormia de favor no térreo do prédio. Duas empregadas da família foram tiradas dos escombros e se recuperaram. 
A vida tomou seu rumo e depois de algum tempo a família mudou-se. Em cartas que Nina escrevia às amigas, sua escrita vinha com muitas falhas de letras, sequelas do trauma deixado. Não sei mais de sua vida. Infelizmente, perdi o contato com essa extraordinária mulher. 
Abraços Fraternos,
Helena💕

4 comentários:

  1. Por favor me de o seu contato.Solange Rodrigues Rua.

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    1. Por favor me envie o seu contato. Roberta Kandas. robertakandas@gmail.com

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  2. Meu pai tem o apelido de Michel porque trabalhou na casa do Sr.Michel tomando conta do filho mais velho, Alexandre que era cadeirante. Ele era o babá. Ontem, dia 31/03/2021, ele estava relembrando a história do desabamento. Contou que dias antes tinha deixando a casa. A pessoa que entrou no lugar dele morreu na tragédia.Ele seria o filho de criação que morreria no lugar do outro, caso não tivesse ido embora.

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