Um raio-x do Chipre, o novo epicentro da crise na Europa
Terceira maior ilha do mediterrâneo e localizado em ponto estratégico, o Chipre é marcado por histórias de ocupação e pela disputa entre gregos e turcos que levou à divisão territorial e ao estabelecimento de dois Estados em 1983. Saiba mais sobre a história, a economia, a política e a sociedade desse país que está, agora, no epicentro da crise europeia.
Marina Mattar
São Paulo – O Chipre ganhou destaque nos noticiários internacionais durante a última semana por conta de uma complicada negociação de novos empréstimos e plano de austeridade com a troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI). Milhares de pessoas tomaram as ruas contra as medidas previstas, mas a força do poder financeiro foi maior e a intervenção foi aprovada pelos parlamentares do país.
Não é de hoje que essa pequena ilha do mediterrâneo desperta o interesse de grandes potências. Localizado em um ponto estratégico entre o continente europeu e asiático – próximo à Grécia e à Turquia -, o Chipre é marcado pela ocupação e disputa territorial entre países e impérios. Assírios, egípcios, persas, macedônios, romanos, bizantinos e, mais recentemente, os turcos e britânicos já dominaram o território nesses quatro mil anos de história.
O Chipre passou das mãos do Império Turco-Otomano para o Império Britânico, durante a Primeira Guerra Mundial, e assim como muitos países asiáticos e africanos, a população cipriota começou a se organizar politicamente depois da Segunda Guerra Mundial em prol da autodeterminação.
Em 1878, britanicos assumem administração do Chipre depois de acordo com otomanos
Durante o processo de independência nos anos 1950, eclodiu um conflito entre os diferentes movimentos cipriotas quanto aos rumos do Chipre, motivado por divisões étnicas entre turcos e gregos. O EOKA (Gregos pela Organização Nacional de Combatentes Cipriotas), que lutava pela unificação do país com a Grécia, realizou diversos atentados terroristas contra os ocupantes britânicos e estabeleceu vínculo com o governo militar de Atenas. Em resposta, os cipriotas de origem turca pediam pela separação territorial do Chipre e constituição de um novo Estado.
Conflito étnico: turcos x gregos
A independência da ilha foi conquistada em 1960, um ano depois do estabelecimento de um acordo entre esses diferentes movimentos cipriotas, que estabeleceu os termos da Constituição da República do Chipre e a manutenção de sua unidade territorial. A Carta Magna do país, datada do ano da independência, estabelecia uma divisão de poderes entre os povos e cotas administrativas e o poder de veto para a minoria turca.
Os embates entre cipriotas de origem turca e grega continuaram, no entanto, poucos anos depois da independência, impulsionados pelos governos de Atenas e Ancara – que chegaram a ameaçar invadir o país. A crescente tensão levou a um golpe de estado por grupos gregos que defendiam a unificação em julho de 1974, depondo o presidente Makarios III (também de origem grega). A Turquia respondeu com a invasão da parte norte do Chipre, ocupando 30% da ilha e expulsando cerca de 180 mil cipriotas de origem grega que viviam no local. Ancara ainda ameaçou invadir a porção sul da ilha, mas em poucos dias, o governo golpista da República do Chipre foi derrotado e uma nova composição assegurou o retorno de Makarios.
A falta de acordo entre os cipriotas, gregos e turcos levou ao estabelecimento do Estado da República Turca do Norte do Chipre em 1983. O Estado foi reconhecido apenas pela Turquia e outros estados islâmicos, sendo que a República do Chipre ainda reivindica a porção norte como parte de seu território.
Por conta do conflito, as Nações Unidas estabeleceram uma missão de manutenção da paz (peacekeeping) em 1964 e que permanece até os dias atuais na ilha. Entre a República do Chipre e a República Turca do Norte do Chipre, a ONU estabeleceu uma “buffer zone” que atravessa também a capital Nicosia, dividida entre os dois estados.
A divisão reflete na composição étnica da população cipriota: 80% dos 1,1 milhão de habitantes são descendentes de gregos e, em sua maioria, vivem na parte sul do país, enquanto 18% são turcos e permanecem concentrados na república do norte. A partir dos anos 1990, Ancara iniciou uma política de imigração para a ilha a fim de povoar a República Turca do Norte do Chipre.
Reunificação?
O debate da reunificação do Chipre está presente na agenda política de ambos os Estados, mas uma solução ainda parece distante. Impulsionados pela ONU, ambos os governos promoveram um referendo sobre a reunificação em 2004, no mesmo ano em que a República do Chipre entrou na União Europeia. Enquanto o acordo foi aceito por 65% da população do norte, 76% dos cipriotas do sul rejeitaram-no.
Foto: Reprodução Facebook - movimento jovem pede reunificaçao de chipre
Apesar de ser um passo importante para a entrada da Turquia no bloco europeu, a situação mudou, completamente, com a crise econômica que desde 2011, afeta a porção sul do país.
Economia: serviços e paraíso fiscal
A economia da República do Chipre tomou rumos diferentes do Estado do norte desde que entrou na União Europeia, em 2004, e na zona do euro em 2008. Agora, a parte sul dessa ilha mediterrânea está envolta no dramático cenário da crise europeia e dos drásticos planos de austeridade da troika – assim como seu vizinho grego.
Chipre entrou na UE em 2004
Ações financeiras, turismo e negócios imobiliários consistem nas principais atividades econômicas da República do Chipre, empregando cerca de 70% da força de trabalho nacional. Atualmente, o setor de serviços representa 80% do PIB cipriota. A agricultura, por outro lado, emprega 8,5% da população ativa e é responsável por apenas 2,1% do PIB, produzindo, principalmente, batatas e frutas cítricas para exportação e alimentos para consumo interno.
O comércio internacional é vital para o Chipre: a ilha não é autossuficiente na produção alimentícia e não possui recursos naturais, incluindo energéticos – o que pode mudar com a recém-descoberta de reservas de gás natural. Combustível, matérias brutas, máquinas e equipamentos de transporte estão entre os principais itens de importação do país. Mais de metade dos bens importados provêm da União Europeia, sobretudo Grécia, Reino Unido e Alemanha, e o restante de países orientais próximos, como Israel. Em 2011, o valor total de importações chegou a 5,7 bilhões de euros, dos quais 3,9 bilhões (cerca de 68%) provinham de negócios com outros estados-membros do bloco.
Os países europeus também são os principais parceiros comerciais de exportação do Chipre. Em 2011, essas transações contabilizaram 1,27 bilhões de euros sendo que metade consistia de remessas para outros Estados do bloco. Medicamentos e alimentos, manufaturados ou não, são os produtos mais exportados pelo Chipre.
Assim como os bancos da Irlanda e da Islândia, os bancos do Chipre decidiram aproveitar a entrada no bloco e os facilitadores consequentes para transações financeiras para atrair capital estrangeiro com taxas fiscais baixas – uma das menores da União Europeia - e taxas de rendimento acima do mercado. Foi assim que o país se tornou um dos paraísos fiscais do bloco europeu, recebendo grandes montantes de dinheiro de empresários russos e britânicos.
A estrutura da economia cipriota faz com que o crescimento econômico do país flutue segundo as condições financeiras e políticas internacionais – o que foi muito marcante durante a década de 1990. Apesar disso, na última década, o país vivenciou um período de aumento do PIB que foi freado em 2009 com o advento da crise financeira europeia.
A crise econômica no Chipre
Desde então, o crescimento do PIB permaneceu abaixo da média dos anos anteriores – contraindo 1,7% em 2009 e, novamente, 2,3% em 2012 – e o déficit orçamentário cresceu, violando o critério estabelecido pela União Europeia de que não poderia ser maior do que 3% do PIB (veja gráfico abaixo).
Evolução do déficit
A crise financeira grega teve consequências diretas nos bancos cipriotas que estão entre os maiores detentores de títulos gregos no continente e têm uma presença substancial no país por meio de agências subsidiárias. Em junho de 2012, o governo cipriota anunciou que precisaria de 1,8 bilhões de euros para resgatar o Banco Popular do Chipre e iniciou negociações com a troika.
O país foi classificado na categoria de “lixo” pela agência de classificação de risco Fitch, responsável por avaliar a probabilidade das instituições financeiras em continuar cumprindo seus compromissos, o que influenciou diretamente o fluxo de investimentos do mercado financeiro e consequentemente, a economia como um todo.
Sociedade cipriota
A crise financeira já começou a refletir na sociedade cipriota: a taxa média de desemprego no país, entre 2000 a 2013, é de 5,3% sendo que a mais baixa foi de 3,4% em 2002 e a mais alta, de 14,7% em janeiro deste ano. Nota-se um aumento crescente no desemprego a partir de março de 2009, quando estava em torno de 4% (veja gráfico abaixo).
Desemprego no Chipre
A taxa de risco de pobreza, que avalia o número de pessoas no limiar da pobreza antes de benefícios sociais, também aumentou a partir de 2008, atingindo uma média de 23% até 2011. Apesar disso, como o governo cipriota continuou com as políticas de assistência social – chegando a aumentar seus gastos neste período (veja gráfico abaixo) –, a taxa de risco de pobreza, depois das transferências sociais, seguiu a mesma média, situando-se entre 14% e 15%.
Gastos sociais
A situação deve se intensificar nos próximos anos com a interferência da troika – e a exigência de severos cortes no orçamento público e reformas na economia: a exemplo do que aconteceu na Grécia, que a partir do primeiro pacote de austeridade aprovado em 2010, cortou bruscamente o os gastos (reais) com políticas sociais (vide Eurostat). Segundo o ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU de 2013, o Chipre continua entre as cinquenta melhores posições (31º lugar) à frente de Portugal (43°) e Brasil (85°).
Política na República do Chipre
A Constituição da República do Chipre é a mesma aprovada durante o acordo da independência em 1960. O país adotou o modelo de democracia liberal representativa com um presidente eleito a cada cinco anos e uma única câmara de representantes, também eleitos a cada cinco anos.
Por conta do conflito étnico entre turcos e gregos, o texto constitucional estipula cotas administrativas para a minoria turca: 30% do parlamento e a vice-presidência. No entanto, desde 1964, quando se iniciaram os combates, esses assentos permanecem vazios: o Congresso cipriota possui 80 assentos, dos quais apenas 56 são ocupados.
O EOKA, considerado um dos principais grupos políticos da luta contra os britânicos, não se transformou em partido e diferentes figuras, ligadas ao processo de independência, surgiram com legendas.
Atualmente, os três principais partidos da República do Chipre são o DISY (Democratic Rally), de orientação conservadora e do presidente Nicos Anastasiades, o AKEL (Partido Progressista dos Trabalhadores), de ideologia comunista e do ex-presidente Dimitris Christofias, e o centro-direita DIKO (Partido Democrata), que compõe a coalizão governista. Outros partidos importantes são o EDEK (Movimento pela Social-Democracia), o direitista EVROKO (Partido Europeu) e o KOP (Movimento Ecológico e Ambientalista).
Configuração política atual
Na última eleição legislativa, em 2011, o DISY conseguiu garantir maioria parlamentar com 20 assentos, seguido do AKEL que conquistou 19 lugares (veja gráfico abaixo). Neste mesmo ano, o centrista DIKO, que possui 9 representantes, decidiu sair da coalizão estabelecida com o AKEL, deixando o governo do então presidente Christofias com a minoria parlamentar.
Composição do Congresso do Chipre das eleições 2011 (Wikicommons)
Christofias foi eleito pelos cipriotas em 2008 com 53,3% dos votos no segundo turno e governou até fevereiro de 2013. Seu governo recebeu o apoio de importantes sindicatos e até de setores centristas do país, mas, em 2011, um acidente na base naval de Evangelos Florakis abalou, fortemente, sua figura política.
Na eleição presidencial deste ano, Christofias não tentou a reeleição e seu partido apresentou a candidatura de Stavros Malas, que perdeu, no segundo turno, para o conservador Nicos Anastasiades, do DISY, com 42,5% dos votos. A agenda política dos candidatos era bastante diferente, sobretudo no que concerne à economia cipriota.
Quem é quem na crise cipriota
Anastasiades se elegeu com a promessa de negociar um resgate financeiro bilionário com a troika e sua vitória foi recebida com entusiasmo pelos banqueiros e acionistas internacionais. Além do apoio do DIKO e Evroko, ele obteve suporte internacional da chanceler alemã Angela Merkel, uma das figuras-chave da nova política de austeridade europeia.
O presidente levou adiante seu programa político e logo no primeiro mês de governo, propôs ao Parlamento um pacote fiscal exigido pela troika em troca do empréstimo de 10 bilhões. Entre as medidas previstas no programa estão a reestruturação dos bancos cipriotas, a criação do “fundo de solidariedade” - que irá nacionalizar fundos de aposentadoria e outros bens públicos – e a controversa taxação dos depósitos bancários.
Essa ultima lei foi rejeitada por 36 deputados, incluindo aqueles que fazem parte da coalizão com o DISY (DIKO e Evroko), e os outros 20, todos governistas, se abstiveram. A outra parte do pacote de leis foi aprovada com 26 votos de parlamentares governistas, 2 contra e 25 abstenção da oposição do AKEL e EDEK.
Não é de hoje que essa pequena ilha do mediterrâneo desperta o interesse de grandes potências. Localizado em um ponto estratégico entre o continente europeu e asiático – próximo à Grécia e à Turquia -, o Chipre é marcado pela ocupação e disputa territorial entre países e impérios. Assírios, egípcios, persas, macedônios, romanos, bizantinos e, mais recentemente, os turcos e britânicos já dominaram o território nesses quatro mil anos de história.
O Chipre passou das mãos do Império Turco-Otomano para o Império Britânico, durante a Primeira Guerra Mundial, e assim como muitos países asiáticos e africanos, a população cipriota começou a se organizar politicamente depois da Segunda Guerra Mundial em prol da autodeterminação.
Em 1878, britanicos assumem administração do Chipre depois de acordo com otomanos
Durante o processo de independência nos anos 1950, eclodiu um conflito entre os diferentes movimentos cipriotas quanto aos rumos do Chipre, motivado por divisões étnicas entre turcos e gregos. O EOKA (Gregos pela Organização Nacional de Combatentes Cipriotas), que lutava pela unificação do país com a Grécia, realizou diversos atentados terroristas contra os ocupantes britânicos e estabeleceu vínculo com o governo militar de Atenas. Em resposta, os cipriotas de origem turca pediam pela separação territorial do Chipre e constituição de um novo Estado.
Conflito étnico: turcos x gregos
A independência da ilha foi conquistada em 1960, um ano depois do estabelecimento de um acordo entre esses diferentes movimentos cipriotas, que estabeleceu os termos da Constituição da República do Chipre e a manutenção de sua unidade territorial. A Carta Magna do país, datada do ano da independência, estabelecia uma divisão de poderes entre os povos e cotas administrativas e o poder de veto para a minoria turca.
Os embates entre cipriotas de origem turca e grega continuaram, no entanto, poucos anos depois da independência, impulsionados pelos governos de Atenas e Ancara – que chegaram a ameaçar invadir o país. A crescente tensão levou a um golpe de estado por grupos gregos que defendiam a unificação em julho de 1974, depondo o presidente Makarios III (também de origem grega). A Turquia respondeu com a invasão da parte norte do Chipre, ocupando 30% da ilha e expulsando cerca de 180 mil cipriotas de origem grega que viviam no local. Ancara ainda ameaçou invadir a porção sul da ilha, mas em poucos dias, o governo golpista da República do Chipre foi derrotado e uma nova composição assegurou o retorno de Makarios.
A falta de acordo entre os cipriotas, gregos e turcos levou ao estabelecimento do Estado da República Turca do Norte do Chipre em 1983. O Estado foi reconhecido apenas pela Turquia e outros estados islâmicos, sendo que a República do Chipre ainda reivindica a porção norte como parte de seu território.
Por conta do conflito, as Nações Unidas estabeleceram uma missão de manutenção da paz (peacekeeping) em 1964 e que permanece até os dias atuais na ilha. Entre a República do Chipre e a República Turca do Norte do Chipre, a ONU estabeleceu uma “buffer zone” que atravessa também a capital Nicosia, dividida entre os dois estados.
A divisão reflete na composição étnica da população cipriota: 80% dos 1,1 milhão de habitantes são descendentes de gregos e, em sua maioria, vivem na parte sul do país, enquanto 18% são turcos e permanecem concentrados na república do norte. A partir dos anos 1990, Ancara iniciou uma política de imigração para a ilha a fim de povoar a República Turca do Norte do Chipre.
Reunificação?
O debate da reunificação do Chipre está presente na agenda política de ambos os Estados, mas uma solução ainda parece distante. Impulsionados pela ONU, ambos os governos promoveram um referendo sobre a reunificação em 2004, no mesmo ano em que a República do Chipre entrou na União Europeia. Enquanto o acordo foi aceito por 65% da população do norte, 76% dos cipriotas do sul rejeitaram-no.
Foto: Reprodução Facebook - movimento jovem pede reunificaçao de chipre
Apesar de ser um passo importante para a entrada da Turquia no bloco europeu, a situação mudou, completamente, com a crise econômica que desde 2011, afeta a porção sul do país.
Economia: serviços e paraíso fiscal
A economia da República do Chipre tomou rumos diferentes do Estado do norte desde que entrou na União Europeia, em 2004, e na zona do euro em 2008. Agora, a parte sul dessa ilha mediterrânea está envolta no dramático cenário da crise europeia e dos drásticos planos de austeridade da troika – assim como seu vizinho grego.
Chipre entrou na UE em 2004
Ações financeiras, turismo e negócios imobiliários consistem nas principais atividades econômicas da República do Chipre, empregando cerca de 70% da força de trabalho nacional. Atualmente, o setor de serviços representa 80% do PIB cipriota. A agricultura, por outro lado, emprega 8,5% da população ativa e é responsável por apenas 2,1% do PIB, produzindo, principalmente, batatas e frutas cítricas para exportação e alimentos para consumo interno.
O comércio internacional é vital para o Chipre: a ilha não é autossuficiente na produção alimentícia e não possui recursos naturais, incluindo energéticos – o que pode mudar com a recém-descoberta de reservas de gás natural. Combustível, matérias brutas, máquinas e equipamentos de transporte estão entre os principais itens de importação do país. Mais de metade dos bens importados provêm da União Europeia, sobretudo Grécia, Reino Unido e Alemanha, e o restante de países orientais próximos, como Israel. Em 2011, o valor total de importações chegou a 5,7 bilhões de euros, dos quais 3,9 bilhões (cerca de 68%) provinham de negócios com outros estados-membros do bloco.
Os países europeus também são os principais parceiros comerciais de exportação do Chipre. Em 2011, essas transações contabilizaram 1,27 bilhões de euros sendo que metade consistia de remessas para outros Estados do bloco. Medicamentos e alimentos, manufaturados ou não, são os produtos mais exportados pelo Chipre.
Assim como os bancos da Irlanda e da Islândia, os bancos do Chipre decidiram aproveitar a entrada no bloco e os facilitadores consequentes para transações financeiras para atrair capital estrangeiro com taxas fiscais baixas – uma das menores da União Europeia - e taxas de rendimento acima do mercado. Foi assim que o país se tornou um dos paraísos fiscais do bloco europeu, recebendo grandes montantes de dinheiro de empresários russos e britânicos.
A estrutura da economia cipriota faz com que o crescimento econômico do país flutue segundo as condições financeiras e políticas internacionais – o que foi muito marcante durante a década de 1990. Apesar disso, na última década, o país vivenciou um período de aumento do PIB que foi freado em 2009 com o advento da crise financeira europeia.
A crise econômica no Chipre
Desde então, o crescimento do PIB permaneceu abaixo da média dos anos anteriores – contraindo 1,7% em 2009 e, novamente, 2,3% em 2012 – e o déficit orçamentário cresceu, violando o critério estabelecido pela União Europeia de que não poderia ser maior do que 3% do PIB (veja gráfico abaixo).
Evolução do déficit
A crise financeira grega teve consequências diretas nos bancos cipriotas que estão entre os maiores detentores de títulos gregos no continente e têm uma presença substancial no país por meio de agências subsidiárias. Em junho de 2012, o governo cipriota anunciou que precisaria de 1,8 bilhões de euros para resgatar o Banco Popular do Chipre e iniciou negociações com a troika.
O país foi classificado na categoria de “lixo” pela agência de classificação de risco Fitch, responsável por avaliar a probabilidade das instituições financeiras em continuar cumprindo seus compromissos, o que influenciou diretamente o fluxo de investimentos do mercado financeiro e consequentemente, a economia como um todo.
Sociedade cipriota
A crise financeira já começou a refletir na sociedade cipriota: a taxa média de desemprego no país, entre 2000 a 2013, é de 5,3% sendo que a mais baixa foi de 3,4% em 2002 e a mais alta, de 14,7% em janeiro deste ano. Nota-se um aumento crescente no desemprego a partir de março de 2009, quando estava em torno de 4% (veja gráfico abaixo).
Desemprego no Chipre
A taxa de risco de pobreza, que avalia o número de pessoas no limiar da pobreza antes de benefícios sociais, também aumentou a partir de 2008, atingindo uma média de 23% até 2011. Apesar disso, como o governo cipriota continuou com as políticas de assistência social – chegando a aumentar seus gastos neste período (veja gráfico abaixo) –, a taxa de risco de pobreza, depois das transferências sociais, seguiu a mesma média, situando-se entre 14% e 15%.
Gastos sociais
A situação deve se intensificar nos próximos anos com a interferência da troika – e a exigência de severos cortes no orçamento público e reformas na economia: a exemplo do que aconteceu na Grécia, que a partir do primeiro pacote de austeridade aprovado em 2010, cortou bruscamente o os gastos (reais) com políticas sociais (vide Eurostat). Segundo o ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da ONU de 2013, o Chipre continua entre as cinquenta melhores posições (31º lugar) à frente de Portugal (43°) e Brasil (85°).
Política na República do Chipre
A Constituição da República do Chipre é a mesma aprovada durante o acordo da independência em 1960. O país adotou o modelo de democracia liberal representativa com um presidente eleito a cada cinco anos e uma única câmara de representantes, também eleitos a cada cinco anos.
Por conta do conflito étnico entre turcos e gregos, o texto constitucional estipula cotas administrativas para a minoria turca: 30% do parlamento e a vice-presidência. No entanto, desde 1964, quando se iniciaram os combates, esses assentos permanecem vazios: o Congresso cipriota possui 80 assentos, dos quais apenas 56 são ocupados.
O EOKA, considerado um dos principais grupos políticos da luta contra os britânicos, não se transformou em partido e diferentes figuras, ligadas ao processo de independência, surgiram com legendas.
Atualmente, os três principais partidos da República do Chipre são o DISY (Democratic Rally), de orientação conservadora e do presidente Nicos Anastasiades, o AKEL (Partido Progressista dos Trabalhadores), de ideologia comunista e do ex-presidente Dimitris Christofias, e o centro-direita DIKO (Partido Democrata), que compõe a coalizão governista. Outros partidos importantes são o EDEK (Movimento pela Social-Democracia), o direitista EVROKO (Partido Europeu) e o KOP (Movimento Ecológico e Ambientalista).
Configuração política atual
Na última eleição legislativa, em 2011, o DISY conseguiu garantir maioria parlamentar com 20 assentos, seguido do AKEL que conquistou 19 lugares (veja gráfico abaixo). Neste mesmo ano, o centrista DIKO, que possui 9 representantes, decidiu sair da coalizão estabelecida com o AKEL, deixando o governo do então presidente Christofias com a minoria parlamentar.
Composição do Congresso do Chipre das eleições 2011 (Wikicommons)
Christofias foi eleito pelos cipriotas em 2008 com 53,3% dos votos no segundo turno e governou até fevereiro de 2013. Seu governo recebeu o apoio de importantes sindicatos e até de setores centristas do país, mas, em 2011, um acidente na base naval de Evangelos Florakis abalou, fortemente, sua figura política.
Na eleição presidencial deste ano, Christofias não tentou a reeleição e seu partido apresentou a candidatura de Stavros Malas, que perdeu, no segundo turno, para o conservador Nicos Anastasiades, do DISY, com 42,5% dos votos. A agenda política dos candidatos era bastante diferente, sobretudo no que concerne à economia cipriota.
Quem é quem na crise cipriota
Anastasiades se elegeu com a promessa de negociar um resgate financeiro bilionário com a troika e sua vitória foi recebida com entusiasmo pelos banqueiros e acionistas internacionais. Além do apoio do DIKO e Evroko, ele obteve suporte internacional da chanceler alemã Angela Merkel, uma das figuras-chave da nova política de austeridade europeia.
O presidente levou adiante seu programa político e logo no primeiro mês de governo, propôs ao Parlamento um pacote fiscal exigido pela troika em troca do empréstimo de 10 bilhões. Entre as medidas previstas no programa estão a reestruturação dos bancos cipriotas, a criação do “fundo de solidariedade” - que irá nacionalizar fundos de aposentadoria e outros bens públicos – e a controversa taxação dos depósitos bancários.
Essa ultima lei foi rejeitada por 36 deputados, incluindo aqueles que fazem parte da coalizão com o DISY (DIKO e Evroko), e os outros 20, todos governistas, se abstiveram. A outra parte do pacote de leis foi aprovada com 26 votos de parlamentares governistas, 2 contra e 25 abstenção da oposição do AKEL e EDEK.
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