terça-feira, 26 de março de 2013

Diminui instabilidade nos ciclos do café


Por Carine Ferreira | De São Paulo
Investimentos em tecnologia e novas técnicas de produção estão reduzindo a diferença entre os anos de alta e baixa produtividade no ciclo dos cafezais, a chamada bienalidade, que causava variações expressivas nos níveis de colheita, preços e renda do setor cafeeiro. Segundo analistas, a mudança pode - ao menos em tese - trazer mais previsibilidade em relação à oferta do grão e reduzir a volatilidade do mercado.
Historicamente, as lavouras de café arábica alternam um ano de produtividade elevada com outro de rendimento menor. Até o início da última década, eram comuns variações de produção superiores a 10 milhões de sacas entre duas safras seguidas - a de 2001/02, por exemplo, foi 17,18 milhões de sacas inferior à de 2002/03, que foi 19,7 milhões de sacas maior do que a safra 2003/04.
Esse cenário mudou. Na safra 2013/14, um período de baixa nesse ciclo, o Brasil deve colher 48,57 milhões de sacas de café, apenas 2,26 milhões menos do que em 2012/13, quando a produção bateu recorde.
Segundo analistas, a diminuição dos efeitos da bienalidade sobre a produção pode ter consequências importantes sobre o mercado e sobre as políticas públicas para o setor cafeeiro. Ao menos em tese, a maior estabilidade da oferta abre caminho para uma menor volatilidade nos preços da commodity e, consequentemente, menos especulação nas bolsas internacionais.
Thiago Cazarini, da Cazarini Trading Company, avalia que a expectativa de uma oferta relativamente estável ao longo do tempo dá mais tranquilidade à indústria torrefadora, mas pondera que a menor volatilidade também traz empecilhos à concretização de negócios. Ele observa que agentes de mercado fixam posições diante da expectativa de alta ou baixa no preço do produto. "[O mercado] fica na queda de braço quando não se tem volatilidade", explica.
Rodrigo Costa, diretor da Caturra Coffees, afirma que a possibilidade de escalonar as compras com a "garantia" de oferta diminui a urgência dos compradores de fixar uma aquisição, o que pode ter um efeito negativo sobre os preços.
O mercado de café é um dos mais "voláteis" dentre as commodities agrícolas. Representantes do setor atribuem a volatilidade à crescente participação de fundos especuladores no mercado e à falta de confiança dos agentes nas estatísticas de produção. O número de contratos de café arábica negociados na bolsa de Nova York cresceu nos últimos anos - só em 2012, 18,4%, de 5,17 milhões para 6,13 milhões.
Cálculos do Valor Data mostram que a variação das cotações do café arábica em Nova York não seguiu uma lógica durante os anos-safras de produtividade elevada (quando os preços deveriam recuar diante de uma oferta maior) e nos períodos de baixo rendimento (quando o mercado deveria reagir à redução na oferta). Um exemplo: em 2004/05, um ano de alta no ciclo dos cafezais brasileiros, a cotação do grão subiu 44,28% em Nova York. "Nos últimos anos, quem determinou os preços de mercado foram os fundos. São raros os momentos em que os fundamentos prevalecem", afirma Carlos Augusto Rodrigues Melo, vice-presidente da mineira Cooxupé.
Por outro lado, a nova realidade da produção cafeeira permite que os produtores tenham renda todos os anos, pondera Eduardo Carvalhaes, sócio-diretor do Escritório Carvalhaes, de Santos (SP). Para ele, movimentos menos bruscos na oferta também retiram um elemento de especulação do mercado. "É preciso rever o modo que se negocia café. Hoje, o mercado ainda é pequeno perto da atuação dos fundos. Qualquer fundo consegue comprar a safra toda".
Carlos Brando, da P&A Marketing Internacional, afirma que a bienalidade menor afeta principalmente as ações do governo voltadas para o setor. "A equalização entre as safras é benéfica em termos de política cafeeira", diz. Ele explica que, quanto maior é a volatilidade na produção, maior é a necessidade de recursos para financiar a formação e o carregamento de estoques para os anos de baixo rendimento das lavouras. Além disso, as variações bruscas na produção causavam choques de renda no setor, que frequentemente demandavam intervenções do governo.
Em contrapartida, a expectativa de grandes colheitas mesmo em anos de baixa no ciclo preocupa participantes do setor. Segundo Jorge Damião Queiroz, analista de mercado da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a maior oferta de arábica - combinada com o crescimento na produção mundial de robusta, puxada pela Vietnã - pode pressionar os preços internacionais do café.


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