sábado, 22 de outubro de 2016

Pedro José Aboudib - O libanês visionário - Usina Jabaquara/1 - Visão pessoal

                         Início hoje uma série de publicações que tem como centro a figura de
                         PEDRO JOSÉ ABOUDIB
um libanês que com 16 anos de idade deixa ZGHARTA - EHDEN, no LÍBANO e vem para o Brasil, isto no ano de 1889. O meu avô, Francisco Marolino Mansur, também veio de ZGHARTA, mas de AALMA, vilas próximas - no ano de 1883.
                       Já em 1919 PEDRO J0SÉ ABOUDIB dá os primeiros passos para a construção da Usina Jabaquara, para a produção de açúcar na localidade de Jabaquara, município de Anchieta. Usina ficava na margem direita do Rio Benevente, no sentido Continente/Oceano Atlântico.
                       A primeira fotografia mostra o que era a Usina e nas duas que seguem o que sobrou. Em tempo, a Usina fica à margem esquerda da BR - 101 SUL no sentido Vitória/Sul do Estado e é o segundo chaminé.
                        O texto que segue é o depoimento que PEDRO JOSÉ ABOUDIB prestou a Indá Soares Casanova, em 1945 e publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito
Santo no ano de 1997, número 58.
                       PEDRO fala da sua idéia da Usina, começo, meio e fim.




                          Em começos de 1919, veio em Benevente o nosso comprador de aguardente em São João da Barra, Antonio Almeida. Subiu o Benevente até A. Chaves e vendeu em Jabaquara, um canavial com alambique a fogo nu, de propriedade de Feliciano Garcia e Agostinho Ginelli. Sugeriu a meu sócio Philadelpho, a idéia de montar ali um alambique moderno e fabricar aguardente e álcool em alta escala. Em meu regresso, achando viável a idéia, fui a Campos e telegrafei ao Almeida que ali me fosse encontrar. Visitamos várias usinas, desejando eu comprar um jogo de moendas e um alambique. Encomendamos então um alambique ao Sr. Antonio Martins Júnior (sr. de bem) para fabrico de 10 pipas de aguardente em 24 horas. Logo em seguida, soube da existência de uma usina parada em Sta. Cruz, pertencente ao Dr. Aristides Guaraná, de saudosa memória, a qual estava hipotecada ao B.B. por cerca de 300 contos.

                     Telegrafei então ao Almeida, para que trouxesse técnico competente e visse com ele a Sta. Cruz para opinar sobre a compra.

                    Como não entendesse do assunto, vli-me da opinião do técnico engenheiro David Findley, que achou a maquinaria em boas condições. Propus negócio ao Banco, mas para efetuá-lo tive de permanecer 6 meses no Rio de Janeiro, afim de conseguir anuência e assinatura do velho Guaraná e seus herdeiros. Tinha começado a minha grande luta. O transporte dessa imensa maquinaria em saveiros e rebocadores até Benevente, seria trabalho digno de titãs, se em seguida não o sobrepujasse a subida do rio Benevente num percurso de cerca de 20 quilômetros, tarefa árdua e caríssima, para facilitar a condução desse material.

                    Em Jabaquara, onde adquiri terras, instalei guindates para descarregar a maquinaria pesada. Durante a montagem da usina verificou-se a falta de muitas máquinas, sendo necessário modernizar outras. Fiz uma encomenda a casa Jan Maquinismos em Glasgow, Inglaterra, importando a mesma em 12 mil libras, cerca de 500 contos, moeda brasileira, tendo pago 113 no ato da entrega na alfândega e o restante em prestações. Nunca pude cumprir este trato; e a casa foi tão correta que jamais de incomodou até que em 1929, com a venda da usina, pude liquidar integralmente meu débito.

                    Quando me atirei a esse empreendimento, jamais poderia imaginar a dificuldades que teria de enfrentar. Faltava-me tudo. Foi preciso promover a lavoura de braços e para isso cheguei a mandar vir, por várias vezes, centenas de trabalhadores de Alagoas, Sergipe e Campos.

                   Ali chegavam, mas poucos permaneciam, acossados pelo impaludismo impiedoso. Era-me forçoso mandar vir novas levas para que, os canaviais em formação, não faltassem braços. tratei desde logo do problema sanitário, trazendo técnicos sanitaristas, que determinaram abertura de valas, plantação de eucaliptos e limpeza dos terrenos adjacentes. Instalei uma farmácia que fornecia aos trabalhadores medicamentos. Ajudei também aos lavradores próximos a fim de intensificarem a plantação de canaviais, para venda e consumo da minha usina.

                  Só prédio da usina me custou, naquela época, mais de 100 contos. Mais a construção da casa do alambique e cerca de 50 casas de operários. Instalei luz elétrica. Iniciei e levei a termo a construção de 36 quilômetros de estrada de ferro de bitola 60, de A. Chaves a Benevente, passando pela Usina Jabaquara. Para isso contei com o valioso auxílio do Governo do Estado.

                  Mas apesar de haver época em que se produziu 200 sacos de açúcar diários, os prejuízos eram enormes e isso por insuficiência dos canaviais. A usina permanecia parada por dia e dias, por falta de matéria prima; apesar dos meus esforços conjugados aos meus sócios, amigos e interessados, Paulo, Philadelpho e Ciquinho Gonçalves, que não pouparam sacrifícios de toda natureza nestes 10 anos de lutas, fui obrigado a vender a usina ao governo do Estado por 950 contos, os quais ficaram reduzidos a 830, porque descontados 450 contos que eu devia ao Banco do E. Santo, entregou-me o governo do Estado, em letras ao prazo de 1, 2 e 3 anos, as quais entreguei a meus credores. Como os juros destas promissórias corriam por minha conta, tive de desembolsar 120 contos, ficando pois reduzida a venda a 830.

                  Nela eu empregara 3.000 contos. Realizei esta venda ao governo do Estado, sendo presidente o Dr. Aristeu Aguiar, jovem e querido amigo de longa data, que chegou a convidar-me para testemunha de seu casamento.

                 Essa transação foi orientada pelo então secretário da Fazenda, José Vieira Machado que, como todo secretariado, sabia que eu, anos antes, recebera uma proposta de compra da parte do Dr. Henrique de Novaes, representando industriais de São Paulo, proposta esta que, no momento, Philadepho acho melhor não aceitar. Já havíamos empregado na usina 2200 contos e a proposta era de 2000 contos pagáveis 350 no ato da escritura, 350 seis meses depois e 1300 pagáveis em oito anos.

               Meu passivo era nessa época, 1929, 1000 contos: 750 contos ao comércio Vitória-Rio-Glasgow; e 350 contos a amigos, alguns sem documento. Na sua totalidade, meus credores, quer comerciais, quer particulares, achavam que eu devia fazer uma concordata de 20%, de acordo com a lei vigente. Entretanto, com meus sócios, decidimos pagar a todos integralmente. Para isso vendemos todos os bens de minha propriedade, conseguindo salvar apenas o prédio, em Vitória, do Palace Hotel, de cuja renda exclusiva passei a viver muito modestamente. Tinha porém inabalado meu crédito e gozava de prestígio nas rodas políticas e sociais, tanto que permaneci até 1930 no cargo de vereador municipal na Capital, para o qual fui eleito em 1924, no início do governo Avidos. Nessas legislaturas, nunca me deixei levar por interesses subalternos, zelando pelo município, como era o meu dever.








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