sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O ITAPEMIRIM E A CRISE HÍDRICA - texto de José Carlos Carvalho


O ITAPEMIRIM E A CRISE HÍDRICA
País continental e rico em recursos naturais, o Brasil sempre viveu na cultura da abundância, diferentemente de outras nações que vivem historicamente a escassez crônica, além de outras que tiveram que conviver com falta de recursos, incluindo água e alimentos, imposta pelas guerras e catástrofes naturais.
No caso brasileiro, embora a gente goste de exaltar, com a nossa mania triunfalista, a abundância dos recursos hídricos, em razão de termos 12% da água doce do planeta em nosso território, nos esquecemos de observar que esses recursos estão desigualmente distribuídos. Em torno de 80% da água disponível está concentrada na Amazônia, a região menos povoada. Por outro lado, temos uma região semiárida de, aproximadamente, 1 milhão de Km2, que vive em permanente estado de escassez de água, incluindo todo o nordeste do País e norte e nordeste de Minas Gerais.
Com essa rápida introdução quero mesmo é chegar no nosso rio Itapemirim e na sua bacia hidrográfica, porque o semiárido nordestino chegou ao Sudeste e, especialmente, ao Espirito Santo, cuja geografia espremida entre o mar e a montanha, com bacias hidrográficas de curta extensão, aumenta a vulnerabilidade hídrica do seu território.
Os problemas da falta d’água de hoje, que pipocam em todos os quadrantes do estado, com maior ou menor intensidade, e que estão presentes na região do Itapemirim, são aguçados pelas mudanças climáticas, que têm alterado o ciclo hidrológico, principalmente o ciclo das chuvas, mas não só por essas razões.
Em 1974, há mais de 40 anos, portanto, como ultimoanista de engenharia florestal, tive o privilégio de dividir com o Dr. João de Deus Madureira, um dos magos da minha geração em Cachoeiro, a mesa de um debate promovido pela Casa do Estudante, no qual já àquela época se discutia os primeiros sinais de degradação da bacia hidrográfica do rio Itapemirim.
Os resultados daquele evento foram registrados pelo jornalista Ronald Mansur e publicados em matéria de página inteira em um dos jornais da capital, na qual estão apontados os erros históricos da ocupação da bacia, principalmente a expansão desordenada das atividades agrícolas, numa região de topografia acidentada, sem as técnicas de uma agricultura de montanha, onde a vulnerabilidade do solo à erosão é potencialmente destrutiva.
Infelizmente, os avisos de Ruschi e João Madureira, inspiradores de minha trajetória profissional não foram ouvidos pelos nossos conterrâneos. De lá pra cá, os problema se agravaram, porque as práticas inadequadas de uso da terra se intensificaram, o desmatamento avançou sobre as áreas de preservação permanente e as reservas legais, os fragmentos remanescentes da Mata Atlântica foram destruídos, a erosão tratou de dilapidar a camada fértil do solo, os rios foram entupidos pelas terras erodidas, as nascentes secaram e os córregos e ribeirões perenes estão se tornando intermitentes.
Dois outros problemas que não estavam na lista dos fatores que arrolamos no debate da Casa do Estudante surgiram nessas últimas décadas para agravar, ainda mais, o cenário de desolação que castiga a bacia hidrográfica do Rio Itapemirim e as demais bacias do Espirito Santo: o uso da água na irrigação e o emprego abusivo de agrotóxicos. Naquele debate não estava presente o grave problema da escassez de água, o que levou à implantação de sistemas de irrigação perdulários, sem tecnologias poupadoras dos recursos hídricos. Essa era uma possibilidade longínqua, mas previsível, segundo a análise que fazíamos. Também, não se cogitava do impacto negativo dos agrotóxicos sobre a qualidade das águas, como ocorre na atualidade, agravando o quadro de crise quantitativa e qualitativa.
O Brasil e nós, brasileiros, temos o péssimo hábito de não aprender com os nossos erros. Continuamos errando, como se uma sucessão de erros pudesse produzir um acerto. E assim vamos transformando em ruínas o nosso território. A história nos ensina que nenhuma nação, nenhum povo sobreviveu às ruínas dos seus territórios.
No último feriado da semana da pátria, como faço com a frequência que posso, voltei à minha terra natal, em Jerônimo Monteiro. Sempre volto para recarregar as baterias e recuperar o fôlego nos momentos de cansaço. Como gosto de fazer, fui andar pela zona rural, refazer os caminhos da infância. Descobri que o córrego Cristal, em que me banhava, de águas fartas, tornou-se intermitente pela primeira vez. Ainda que quisesse, já não poderia tomar mais banho no rio da minha infância.
Constatei, amargurado, o que diz Rubem Alves: que é bobagem querer voltar ao passado, porque o cenário do passado também passa. Será que córrego Cristal vai passar?






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