quarta-feira, 19 de abril de 2017

Gildo e Helena Uma História de Amor. texto de Helena Machado

                   Hoje estou com 80 anos e a estória é a n. 80 - carta para meu amor.
              Amanhã faço 81 e a próxima estória será a 81 - resposta à minha carta.
Coincidências existem. 


                    Quando eu era jovem, meu pai comprou uma Enciclopédia Universal Ilustrada. Eram 24 livros, capa verde musgo, trabalhada em dourado. Um luxo. Mandou confeccionar uma estante com capacidade exata para os livros. Ali aprendi a gostar de leitura e li Romeu e Julieta, na Itália, Tristão e Isolda na Grã Bretanha e muitos outros mas, o meu fascínio foi a história de Abelardo e Heloísa e suas famosas cartas. Linda e triste história. O romance entre Heloísa e o filósofo Abelardo iniciou-se em Paris, no período entre o final da Idade Média e o início da Renascença. Abelardo tinha 36 anos, Heloísa, 17. Aqui terminam minhas referências com essa história e dou início a nossa estória. Gildo tinha 37 anos e eu, 19. Nas crônicas que venho escrevendo, nossa estória vem sendo contada aleatoriamente. Pretendo transcrever nossas cartas, também, de modo aleatório. Nossas cartas são um hino ao amor e merecem ser perpetuada, embora o grande poeta português, Antonio Pessoa, dissesse que: 
"Todas as cartas de amor são Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas
"​.



Birigui, 30 de Junho de 1992.

               Gildo,
              Meu amor,
              Como é bom trazer você para perto de mim. É só imaginar. É tão simples!
             E nesse devaneio revivo cada momento de nossas vidas, desde os idos 1955.
           Tudo começou num dia, como hoje, 30 de Junho, após uma noite de baile da festa de Cachoeiro. 
          Eu estava acamada com forte gripe. Pela manhã, minha mãe, para me reanimar, comete uma "imprudência" e conta que você passara o baile em companhia de nossa hóspede. E... o mais "grave", contou pra mim, aquilo que iria despertar minha atenção para você. Disse que, ao perceber que a moça se hospedava em nossa casa, teria você dito que "ali morava a única moça que você desposaria quando ela quisesse". Eu fiquei sabendo que essa pessoa era eu. Confesso Gildo, que eu ainda não o havia percebido. Devia conhecê-lo sim, mas meu sentimentos estavam adormecidos. Aquele dia foi um marco em minha vida. E meu pensamento, navegando no tempo, numa viagem de prazer e também de tormentos, revê como num filme, a trajetória encantadora, embora difícil. Recordo nossos conflitos religiosos evidenciando nossa imaturidade e intolerância espiritual. Mas a nossa atração era tão forte que a paixão nos fazia viver aquele estado de êxtase como se nós fossemos o centro do mundo. Nada mais importava. E tudo se cumpriu, como acreditamos, segundo a escolha que fizemos antes de reencarnarmos. Assim, Gildo, passo um a um, em doce lembrança, cada um de nossos dias, nossos encontros e desencontros.  


Dia 24 de setembro 1955 – Inicio oficial de nosso namoro. Nossos bilhetes, nossos olhares, nossos beijos, nossos sonhos.
Dia 14 de fevereiro de 1956 – O noivado, a aliança, o bonezinho, a saída de banho, o jogo de malas, todos lindos. O rompimento, a reconciliação. Um desfile de doces recordações. Quantos sonhos!
Dia 14 de Julho de 1956 – Nosso casamento! Tudo era encantamento. Não nos importavam festas, convites, enxoval... nada disso tivemos. Nem ao menos uma situação financeira concreta e estável. Havia um "paiol" e muito, muito amor. Uma foto registra o feliz momento em que carregada ao colo transpus a porta daquela doce vivenda. Que pena não tê-la perpetuada em fotos e filmes. Mas não importa...este registro esta indelével em nossas lembranças.
28 de Janeiro de 1958 – A mais grandiosa experiência de minha vida – Ser mãe. Enquanto isso você torna-se um pai todo bobo e um companheiro cheio de cuidados.
07 de junho de 1960 – Outra vez mãe. Agora já residindo com aquela que me acolheu com carinho e que aprendi a amar e respeitar em quase vinte anos de convívio.
04 de Novembro de 1963 – Chovia muito. Apos duas meninas você não consegue disfarçar a alegria de ser pai de um varão. Ele foi tão importante para você que escolheu seu nome Gilceu – em homenagem aquele irmão amado que o iniciou na Doutrina Espírita em um momento de busca, já cansado dos descompromissos da juventude.
14 de Outubro de 1966 – Nasce aquela que seria a última da prole. Para selar este evento quis homenagear você, dando-lhe o seu nome que ela carrega, hoje, com muito orgulho. E quantas afinidades vocês tem! Sua doença aos três meses nos proporcionou rica experiência. Ainda na escola da dor, vivenciamos problemas com a saúde de nosso filho, onde você pode testemunhar sua dedicação total. Segue-se um período turbulento em nossa relação, quando eu buscava um lugar no campo profissional. Foram períodos difíceis.
21 de marco de 1969 – Surge o nosso temporão. Que torcida fizemos, todos, para que viesse um menino. E foi com este lindo rebento que encerramos a fase de concepção e passamos a viver para educar nossos filhos e nos deixar educar pela própria vida.
1970 - Incidente gravíssimo acometeu você, envolvendo-nos em duras provas e lapidando nossos espíritos. (*1)
1974 - Voltei ao banco da escola, onde me despi de meus bloqueios e pude viver uma nova experiência, sempre incentivada por você.
1978 a 1983 - "nossa via crucis" (*2)
1983/84 - O momento culminante da dor e nossa redentora "estrada de Damasco".
Durante e após este período, perdemos amigos e pessoas queridas, casamos filhos, ganhamos netos. Durante toda esta trajetória fomos burilados na dor e testados na fé.
Hoje, com nossos filhos casados, estamos novamente você e eu. Após a cerimônia do casamento do nosso último filho, estressada por emoções e preocupações de toda a ordem, fui acometida por uma descompensação. Se de um lado foi uma sensação de impotência, por outro lado pude me sentir protegida por sua preocupação até irreverente. Foi bastante oportuno meu afastamento, forçado, para tratamento de saúde, tratamento este que vem sendo postergado há mais de dez anos. A minha permanência, mais demorada, aqui, me proporciona a troca de energia com esta família cheia de amor, mas carente de um aprofundamento filosófico. Também estas férias conjugais nos faz repensar nossas vidas, valorizando nossa relação tão ricamente vivida. Como já escrevi em outra oportunidade, o pensamento voa sem precisar de moeda ou passaporte. O pensamento é livre e nos transporta ao passado ou projeta o nosso futuro. O pensamento me permitiu percorrer cada escaninho de minha mente e reviver, na privacidade, momentos só nossos.
Desde que aqui cheguei, pretendia escrever-lhe uma carta assim. Primeiro foi preciso viver essa saudade, para realizar uma catarse que pudesse extravasar esse sentimento tão represado na vivência diária. Quando falei com você no Domingo, senti você sintonizado comigo. Isto me comoveu. Este ano vamos fazer 36 anos de casados. É uma vida! Que Deus nos abençoe por termos vencido tantas dificuldades e de sairmos vitoriosos em nossa missão.
Eu amo você, Gildo. Eu amo você. Sua, sempre sua,
Heleninha

Nota: (*1) 1970 - incidente gravíssimo - Gildo levou uma facada no abdômen, numa emboscada, em Guarapari, por três elementos desconhecidos, correndo sério risco de vida.
(*2) 1978 a 83 - nossa "via crucis". Refere-se ao período ao qual ele foi traído e injustiçado, vindo, consequentemente, o rompimento com seu irmão, que atentou contra a sua vida, numa emboscada, alvejando-o com dois tiros no abdômen. Sua sobrevivência foi um "milagre".

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