segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A LÍNGUA POMERANA E A SUSTENTABILIDADE DA CULTURA LOCAL. texto de Jorge Kuster Jacob

 O pomerano é uma língua germânica, antigamente falada nas margens do
Mar Báltico, na província da Pomerânia. Era uma das 36 províncias da
Confederação Germânica e cada uma tinha liberdade linguística e uma
cultura própria em consequência da língua. A língua é o coração da cultura
e é ela que arrasta todas as outras manifestações culturais que fazem
parte da identidade de um povo. Quer destruir um povo destrua sua
língua. Essa província pertencia a Alemanha e com o fim da II Guerra
Mundial (1945), 70% teve que ser entregue à Polônia. A Alemanha ficou só
com 30% do seu território. Com a Unificação Alemã em 1871, Otto Von
Bismark criou uma língua nacional. Com a aceleração da globalização hoje
quase ninguém mais fala o pomerano na Europa. Então a Pomerânia não
existe mais. Se na Europa tem meia dúzia de idosos com mais de 80 anos
que ainda falam o pomerano, no Espírito Santo ainda temos milhares de
crianças com sete anos que só falam o pomerano.
                                     
Então a Pomerânia é aqui, a Pomerânia é Brasileira. Hoje a língua só é
usada em comunidades do Espírito Santo, Rondônia, Minas Gerais, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Língua presente no Brasil desde 1859 – há
159 anos, portanto – tem hoje, no Espirito Santo, um universo de
aproximadamente 120 mil falantes. “Co- oficializar uma língua significa
que o município passa a ser oficialmente bilíngue, e que seus cidadãos
podem construir suas vidas em duas línguas – a língua oficial da União, o
português, mas também a língua co-oficial da comunidade, neste caso o
pomerano – usando-as na educação, nos eventos culturais e na sua
relação com o Estado.” (cf. Defourny, V. e Muller de Oliveira, G. – “Qual é
a língua?”. O Globo. Rio de Janeiro, 30 de dezembro de 2008).
Os pomeranos possuem representação na Comissão Nacional de
Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais
(Decreto 6.040 de 7 de fevereiro de 2007, do presidente Lula) através da
Associação dos Moradores, Amigos e Proprietários dos Pontões de
Pancas/APOP e da Associação Cultural Alemã do Espírito Santo/ACAES. O
Objetivo básico desta Comissão Nacional que tem 15 povos tradicionais
com representação titular e suplente e 15 órgãos do governo federal
também com representação dupla é construir politicas para os povos
tradicionais do nosso país. Hoje podemos perceber como essa politica
influenciou diversos editais dos governos federal, estadual e municipal do
nosso país. Muitos projetos e iniciativas pomeranas já foram
comtempladas por esses editais no Espírito Santo, por exemplo.
Consoante informação fornecida pelos pomeranos que participaram do I
Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais do Espírito Santo
realizado entre os dias 23 e 25 de março de 2012 em Praia Formosa,
Aracruz (ES), têm-se: “Atualmente a língua pomerana já tem uma escrita,
dada pelo linguista prof. Dr. Ismael Tressmann, e nos município mais
pomeranos do estado do Espírito Santo já tem aulas de língua Pomerana
através do programa Educação Escolar Pomerana-PROEPO.” (cf. doc.
distribuído no evento intitulado “Pomerânia”). As estimativas produzidas
por Jorge Kuster Jacob, apresentadas no I Encontro, acerca daqueles que
se autointitulam “pomeranos” no Espírito Santo, correspondem a 156.071
pessoas, distribuídas pelos seguintes municípios: Santa Maria de Jetibá,
Laranja da Terra, Vila Pavão, Domingos Martins, Pancas (Lajinha), Afonso
Claudio, Baixo Guandu, Itaguaçu, Itarana, Vila Valério, São Gabriel da
Palha, Colatina, Marechal Floriano, São Roque do Canaã, Governador
Lindenberg e região metropolitana de Vitória. Nesta “Estimativa de
Mapeamento dos Pomeranos”, Jacob assinala também municípios de
Minas Gerais, Rondônia, Santa Catarina e Rio Grande do Sul com o
respectivo percentual dos que se autodesignam pomeranos face aos totais
obtidos pelo recenseamento do IBGE de 2010. Mas é no Espírito Santo
que estão as comunidades pomeranas mais tradicionais e foi nesse estado
que começou esse trabalho de resgatar e valorizar essa rica identidade
histórica e cultural do tradicional povo pomerano durante nos meados da
década de 1980 com os pomeranos e pesquisadores Helmar Ropke, Jorge
Kuster Jacob, Martim Boldt, Ismael Tressmann, Rodolfo Gaede, José Carlos
Hinemann, Ivan Seibel e Jorcy Foerste Jacob. Essas pesquisas publicadas
viraram livros, filmes, eventos e projetos especialmente em Santa Maria
de Jetibá, Vila Pavão, Laranja da Terra, Pancas, Domingos Martins, Vila
Valério, Afonso Claudio, entre outros.

A emancipação politica de Santa Maria (de Santa Leopoldina) e de Vila
Pavão (de Nova Venécia) foram fundamentais e tiveram uma emancipação
cultural paralela de grande impacto local. A sensibilidade politica dos dois
primeiros prefeitos destes municípios foi determinante na história
pomerana capixaba. O prefeito Elmar Potrtatz de Santa Maria de Jetibá,
por exemplo, narrava os desfiles da Festa Pomerana, na língua pomerana
e vários grupos folclóricos pomeranos surgiram no interior. A primeira
enciclopédia pomerana no mundo surge em Santa Maria. Em Vila Pavão,
por exemplo, surgiu uma banda musical que cantava e gravava na língua
pomerana, até um programa na língua pomerana surgiu na rádio local e
um jornal pomerano. Depois tivemos a co oficialização e a introdução do
ensino da língua em 5 municípios do Espírito Santo. Pena que muitas
administrações não dão a devida continuidade.

                     Investir na cultura local é ter projetos para as diversas manifestações
tradicionais locais que o nosso povo tem e assim construir um projeto com
recheio para o verdadeiro desenvolvimento econômico, local e
sustentável.

                       Investir na tradicional cultura local é levantar a autoestima do nosso povo
usando suas diversas manifestações populares (língua, culinária, dança,
música, arquitetura, artesanato, moda, agricultura familiar, entre outras)
para construir nosso turismo, nossa economia, nossa cultura, nossa
comunidade, num amplo projeto de sustentabilidade.
JORGE KUSTER JACOB sociólogo e pesquisador da história e da cultura
pomerana no Brasil.

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