terça-feira, 3 de janeiro de 2017

A NASCENTE QUE BANHA O ALMOÇO DA MAMÃE POMERANA texto de Jorge Kuster Jacob Jorge Kuster Jacob


Esses dias, como de tradição, mãe reuniu a família para um grande almoço. E o almoço da minha mãe é incrível. É um verdadeiro festival de culinária pomerana. Ela mora com a família do meu irmão mais novo que possui 6 alqueires de terra. Ele é agricultor familiar. Trabalha, ele, a esposa, o filho, a filha e um genro nesse pequeno pedaço de chão.
A mamãe pegou um frango do terreiro que é o inicio para os preparativos de todo um tradicional almoço pomerano de domingo. Mas antes já tinha ovos do galinheiro, leitoa do chiqueiro, peixes do córrego, patos do açude, mandioca do mandiocal e batatas doces do batatal, cará da horta, inhame chinês da beira do córrego, entre outras coisas macarrão do comércio local, chamado de “venda”.  E ainda tinha muita coisa na geladeira ou no congelador como carne de porco, leite, manteiga e queijo e frutas em polpa congeladas.  
Com todos estes ingredientes, frutos da agricultura familiar, passamos um dia inteiro. Um tradicional almoço pomerano, em terras tropicais brasileiras, que se constituía num verdadeiro banquete. Uma enorme mesa abarrotada de varias alimentos da culinária pomerana enchia de orgulha a mamãe pomerana, cercada de filhos, filhas, genros e noras, netas, netos, até bisnetos. Todos comeram e comeram muito. Mais tarde um tradicional café colonial pomerano, até parecia uma festa de aniversário ou um tradicional casamento pomerano. Mas Ra apenas uma reunião de família, um almoço da mamãe.
O Tradicional café pomerano não foi diferente. Um brote de fubá, outro de trigo e outro de banana, roscas, biscoitos e um bolo enfeitavam a mesa que ficava perto do velho fogão à lenha, acima linguiça e toicinho pendurado e defumados pelo próprio fogão. Tinha café doce, café amargo, leite puro e café com leite. Tinha doces de diversas frutas tropicais, além de manteiga, requeijão e queijo caseiros também feitos pela família do meu irmão ensinados pela minha mãe e a sogra do meu irmão.  
A tarde, depois do demorado e café colonial, o sol já descia no alto do topo do morro romantizando ainda mais o nosso dia fomos dar uma volta na propriedade. Os pomeranos tem orgulho de mostrar os animais e as plantações. Os cavalos, gado e aves misturados com os pássaros da mata, de uma forma geral, davam mais qualidade de vida à propriedade. Também apreciamos os porcos no chiqueiro, ganizés, galinhas, perus, patos, gansos e galinhas criados soltos s com seus cantares era outra festa. Os canarinhos soltos encantavam a canária com seu canto valioso, outra hora presos, agora livres. A diversidade de árvores frutíferas, bananeiras, goiabeiras, manguezais, jaqueiras ,entre tantas outras frutas sustentavam diferentes animais e poderíamos nos servir ali numa espécie de “self servic”, sem pesar e nada de pagar depois. O coral de pássaros  outros animais continuavam cada vez mais forte. A lavoura de café, o pasto e o gado, tudo era mostrado e tudo tinha uma história de luta.

Essas terras, dizia meu irmão, muitos agricultores não queriam, pois era uma das mais fracas da região. “Só dava sapé”.
Subimos um e descemos outro morro. Chegamos à sua pequena reserva florestal. Reserva florestal de onde tirava seus cabos de ferramentas e lenhas para o fogão e forno e para cozinhar a comida dos porcos no panelão. Ali também estavam enterradas as velhas louças quebradas do ritual de casamento pomerano da sua filha mais velha para “espantar os maus espíritos”, dizia minha sobrinha.
Caminhando dentro da mata, avistamos uma magra nascente de água nessa época de crise hídrica no norte do Espírito Santo. Aquela pequena, magra nascente quase secando abastecia toda família do meu irmão na alimentação, limpeza e banhos; irrigava as suas plantações, matava a sede de todos seus animais e ainda formava um açude para os patos e a criação de peixes. O um pequeno fio de água era liberado para meu vizinho que formava um córrego e esse por sua vez abastecia o rio que abastecia mar.
Refletindo, um pouco mais concluímos que essa tarde agradável, um domingo em família e recheada de cultura na culinária local pomerana topicalizada só foi possível graça a aquela única, magra e pequena nascente. Um pequeno olho de água proporcionava o sustento de toda uma cadeia, todo um ecossistema, toda uma comunidade de vida. Provavelmente sem a mata que protegia e abastecia aquela nascente nem estaríamos ali.
Pergunta que não quer calar: Amigo leitor, você sabe de qual nascente vem a água que mata a sua sede e prepara a sua comida? De qual nascente vem a água que lava o seu rosto ao amanhecer e seu corpo ao deitar-se todos os dias? Como está essa nascente? Protegida? Endeusada? O que você poderá fazer por ela? Fotografá-la? Protegê-la?  
Eu escrevi este texto pela nascente que me sustenta, banha e refresca meu corpo. Sei que é muito pouco. Mas qual é mesmo a nascente que mata minha fome e minha sede, banha e refresca meu magro corpo todos os dias?
E na despedida, dei um abraço na minha velha mãe, agradeci meu irmão e concunhada e ainda tomamos um delicioso suco natural com frutas plantadas pela minha velha mãe, colhidas pelo seu filho mais novo e preparadas pela sua neta. A terra que só tinha sapé, uma nascente magra de água fez e faz uma revolução.
E a sua nascente? E a sua mãe? E a sua revolução? É possível
Ali perto das terras do meu irmão temos o Assentamento Três Corações. Antes da Reforma Agrária poderia ter sido chamado de um só coração, pois vivia ali um magro vaqueiro, sua magra esposa e seus magros três filhos. Os bezerros da fazenda eram mais gordos que os filhos do vaqueiro. O dono da grande fazenda morava em Governador Valadares (MG). Vinha vez outra de jato para a fazenda. O nosso município tinha um aeroporto, era nessa fazenda. Vez outra posava o jato do referido fazendeiro. Depois da reforma agrária vieram dar vidas a seus corpos mais de 100 famílias nessa fazenda. Mesmo os fazendeiros vizinhos colocando na calada da noite gado em suas terras, a trapaça foi descoberta, a reforma agrária foi confirmada e hoje centenas d corações sobrevivem nessas terras.

JORGE KUSTER JACOB – Pomerano, professor, escritor e cineasta de Vila Pavão (ES).

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