sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Lições de Café



Por Josiane Cotrim Macieira
postado há 1 dia atrás

Uma coisa sempre incomodou Débora Fortini, que há anos trabalha no comércio de café: como um produtor pode vender um café que ele não provou? Débora, mineira de Belo Horizonte, recém-casada foi morar na propriedade de café da família do marido em Campos Altos, no Cerrado Mineiro. Anos depois se mudou para Portland, a capital das torrefações nos Estados Unidos, onde viveu por 8 anos dedicando-se ao comércio de micro lotes de cafés de qualidade. Quando organizavam em Portland encontros entre os compradores americanos e os produtores brasileiros através de prova de café, para surpresa e indignação de todos, os produtores se afastavam da mesa de prova.

Não é só Débora que se sente mal com isso. Nos países consumidores da Europa e Estados Unidos tem muita gente que pensa a mesma coisa. “Imagine você vender seu café para um cliente sendo que você nunca provou esse café você mesmo?” Indaga o texto de um site norte-americano sobre café. E continua: “Agora imagine que os seus compradores saibam que você nunca provou seu café. Você pode ter o melhor café do mundo, sem saber o valor que seu produto tem”. É por compartilhar a ideia de que isso precisa mudar é que Débora idealizou a criação da Academia do Café ao lado do marido, Bruno Souza, ao voltarem para o Brasil em 2010.


Débora, na Academia do Café em Belo Horizonte

Academia, palavra de origem grega significa estabelecimento de ensino que outorga títulos oficiais. Um local de aprendizado. E é exatamente isso que o casal se propõe: compartilhar conhecimento sobre café. É ali, num dos raros sobrados que ainda restam na Avenida do Contorno em Belo Horizonte, que a Academia se impõe como uma referência na capital do estado que mais produz café no Brasil. Outorgando, inclusive, o respeitado título Q grader que prepara o profissional para avaliar cafés a nível internacional. Desde que começou a ministrar os cursos para Q grader o número de brasileiros a ostentarem esse título aumentou consideravelmente. Das 15 mulheres Q graders do Brasil, 13 foram formadas pela Academia!

Como dizia meu pai, no café não tem doutor, estamos sempre aprendendo. E, por isso, não há dúvida de que os produtores e todos os envolvidos na cadeia do café precisam de instrumentos e treinamento para aprenderem cada vez mais sobre seus cafés para que não fiquem à mercê da opinião dos outros: está fermentado, tem muita umidade, tem muito defeito, essa região nunca produziu café bom e assim por diante.

Débora torrando café

De acordo com o Projeto First Taste (Primeira Prova, em inglês) existem mais de 25 milhões de famílias produzindo café para viver no mundo inteiro. Segundo o site do projeto, a grande maioria desses produtores nunca participou de uma mesa de prova do café que eles exportam. São tipicamente pequenos produtores que cultivam menos de 3 hectares.

No Brasil, a Aliança Internacional das Mulheres do Café – IWCA Brasil quer mudar esse cenário através do treinamento de mulheres e promovendo capacitação para todas as envolvidas na cadeia produtiva de café. Do grão à xícara. Débora é uma das pioneiras da 'Aliança' no Brasil. Como boa mineira, Débora não prega prego sem estopa. Advogada experimentada, acompanhou cautelosamente cada passo da burocracia rumo à criação da entidade no Brasil. Débora integra a diretoria da IWCA Brasil e já conhecia a entidade lá dos Estados Unidos, o que facilitou sua adesão para trabalhar pela criação do capítulo brasileiro. Em meio aos compromissos e agenda carregada, ela encontra tempo para se dedicar a esse trabalho voluntário que já está fazendo a diferença na vida de muitas famílias.


Débora com as mulheres do café de Taquaritinga do Norte, Pernambuco - produção de café orgânico sombreado
Ao começar o segundo ano de existência, o trabalho da Academia já está transpondo as fronteiras brasileiras. Em fevereiro irão ministrar curso Q grader em Bordeaux, cidade francesa famosa por seus vinhos. No Brasil, no período de um ano foram dezenas de cursos de degustação e classificação, torra e o Q grader.

E, na volta às aulas, a Academia oferecerá bolsa para aluno da rede pública da capital mineira aprender a profissão de barista. Assim, trabalhando em silêncio, a Academia vai fazendo escola.

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